Na hora do eclipse
«Há dias em que Deus é tudo para mim. Há dias em que não é nada, como se eu nesses dias não fosse mais que uma criatura animal ou vegetal, uma besta que treme, ou que canta, uma planta que não precisa de mais nada a não ser ar, água e sol. Há dias em que não tenho alma.»
Escuto a confidência de uma pessoa que admiro profundamente pela sua inteligências, mas também pela sua humanidade e espiritualidade, e fico desconcertado. Está a falar-me do período que atravessa agora, um tempo de vazio, de insatisfação, de aridez.
Estou, é verdade, surpreso, mesmo se isto não compromete a minha estima. Ao contrário: a sinceridade é um sinal de grandeza de alma. Consigo, porém, compreender que esta experiência – por todos vivida mais cedo ou mais tarde – faz parte da “dinâmica” (como é habitual dizer-se) da fé e da própria vida.
Assim, fui procurar um excerto que recordava, presente no “Diário” de uma poeta e mística francesa, Marie Nöel (1883-1967): é uma representação nítida e intensa daquela experiência que atinge também os grandes mestres do espírito (pense-se apenas na longa fase de «aridez espiritual» atravessada e confessada por Santa Teresa de Ávila.
Há um tempo em que Deus parece eclipsar-se e calar, semelhante a um imperador impassível encerrado no seu céu dourado. É o período do deserto, da subida ao monte Moriá como Abraão, ou ao Carmelo como S. João da Cruz.
Rezava, então, assim Marie Nöel: «Se Tu queres que eu creia em ti,/ dá-me a fé.// Se Tu queres que eu te ame,/ dá-me o amor».
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]