O que é o discernimento?
Aos ouvidos da maioria, e em particular dos das novas gerações cristãs, o termo “discernimento” é hermético. Trata-se, com efeito, de uma palavra caída no esquecimento, mas que recentemente tem aparecido muitas vezes no ensinamento do papa.
Foi precisamente Francisco que escolheu como tema do sínodo dos bispos que decorre até domingo o discernimento, apontando-o como operação urgente na vida da Igreja e sobretudo no processo vocacional, dizendo respeito de modo particular aos cristãos que na sua idade juvenil chegam a uma forma de presença específica na Igreja e no mundo.
O mesmo Francisco, na sua exortação apostólica “Amoris laetitia” (2016), reservou um amplo espaço ao tema do discernimento na relação com a vida familiar, dedicando todo um capítulo, o oitavo, ao tema «acompanhar, discernir e integrar a fragilidade». É significativa esta afirmação clara e límpida do papa: «Hoje a Igreja precisa de crescer no discernimento, na capacidade de discernir».
Na verdade, na vida monástica e na espiritualidade de Loyola, de que o papa provém, o termo “discernimento” esteve sempre presente e a ele foram dedicados estudos e investigações com vista a uma sua compreensão e atualização deste dom do Espírito, deste carisma que os padres do deserto consideravam o mais necessário para caminhar no seguimento de Cristo rumo ao reino de Deus: «Um ancião disse: “A melhor de todas as virtudes é o discernimento”». «Foi perguntado a um ancião: “Qual é a obra do monge?”. Respondeu: “O discernimento”». (…)
O discernimento é um dom entre os dons do Espírito Santo feito aos crentes, mas, de maneira preliminar, nunca se deve esquecer que o dom por excelência, a coisa boa entre as coisas boas, é o próprio Espírito Santo. Não se confundam portanto os dons com o Dom e faça-se discernimento, reconheça-se que na verdade o Espírito é «o dom septiforme, a fonte de todos os dons. Esclarecido esta primeira asserção essencial, é preciso perguntar: como se pode definir o discernimento?
Quanto à etimologia, “discernimento” deriva do verbo latino “discernere”, composto por “cernere” (ver claro, distinguir) e precedido de “dis” (entre): por isso, discernir significa “ver claro entre”, observar com muita atenção, escolher separando. O discernimento é uma operação, um processo de conhecimento, que se realiza através de uma observação vigilante e uma experimentação atenta, com o fim de nos orientar na nossa vida, sempre marcada pelos limites e pelo não conhecimento.
Como tal, o discernimento é uma operação que compete a cada homem e a cada mulher para viver com consciência, para ser responsável, para exercitar a sua consciência. Quando experimentamos a arduosidade da escolha, a dúvida, a incerteza, ou procuramos uma orientação na vida quotidiana ou nas grandes decisões a tomar, devemos fazer discernimento.
No cristão, radicando-se neste dimensão puramente humana, o discernimento manifesta-se como sinergia entre o próprio espírito e o Espírito Santo, o Sopro da vida interior e espiritual e da vida comunitária cristã: «O Espírito atesta ao nosso espírito» (Romanos 8, 16)… O discernimento cristão não é redutível a um método e a uma técnica de introspeção, de maior conhecimento de si, mas é um itinerário que requer a intervenção de um dom do Espírito, de uma ação da graça.
Sim, escutar o Espírito, escutar a voz de Deus que fala no coração humano, na criação e nos acontecimentos da história, requer reconhecer antes de tudo esta voz entre muitas vozes, na consciência de que a voz de Deus não se impõe, não comanda, mnas sugere e propõe, inclusive com um subtil silêncio.
Dentro da grande tradição cristã, uma definição do discernimento muito clara e sintética e, ao mesmo tempo, articulada, é a de João Clímaco:
«O discernimento, nos principiantes, é um sobreconhecimento autêntico de si próprio; naqueles que estão a metade do caminho, é um sentido espiritual que distingue infalivelmente o bem autêntico do natural e do seu contrário; nas pessoas espiritualmente amadurecias, é uma ciência infundida por divina iluminação, que é capaz de iluminar com o próprio lume aquilo que nos outros permanece coberto pelas trevas.
Talvez, mais em geral, define-se e é discernimento a compreensão segura da vontade de Deus em cada tempo, lugar e circunstância, que está presente só em quem é puro no coração, no corpo e na palavra (…). O discernimento é uma consciência imaculada e uma sensibilidade pura (…). Quem possui o dom do discernimento faz reencontrar a saúde e destrói a doença».
E escreve o teólogo Giuseppe Angelini:
«O discernimento pode ser definido, na primeiríssima aproximação, como a qualidade da alma que permite reconhecer em qualquer circunstância o que convém fazer; e permite, ainda antes, percecionar em qualquer circunstância que é conveniente fazer alguma coisa, que se pode e deve tomar uma decisão, que, em suma, as diversas situações que progressivamente encontramos dizem-nos respeito, interpelam-nos, convidam-nos a tomar parte, em vez de nos impelirem para a situação demasiado cómoda (mas também, sob outra perspetiva, demasiado incómoda) daqueles que são sempre e só espetadores».
Prosseguindo o raciocínio destes dois autores, podemos definir o discernimento como o processo que cada ser humano deve realizar no duro mester de viver, nas várias situações com que se confronta, para fazer uma escolha, tomar uma decisão, exprimir aqui e agora um juízo com consciência. O discernimento diz verdadeiramente respeito a cada ser humano, no seu específico aqui e agora, e é essencial a cada cristão para ver, conhecer, sentir, julgar e trabalhar em conformidade com a Palavra de Deus.
[Enzo Bianchi | In Monastero di Bose]