Ter os outros em si
«A pertença não é um conjunto casual de pessoas, não é uma aprovação de uma aparente agregação, a pertença é ter os outros dentro de si.»
Não se acreditaria, mas quem me enviou esta citação extraída de uma canção do italiano Giorgio Gaber (precisamente “A canção da pertença”) foram as irmãs Clarissas do convento de clausura de Rimini.
Espero que me perdoem se as evoco explicitamente, mas faço-o também para demolir o mito de que por trás das grades existe apenas silêncio e renúncia, negação e rigor.
Uma vez, de passagem por uma conferência naquela cidade, fui acolhido por elas com festa e mil atenções: a separação da clausura é, na realidade, um horizonte bem mais povoado de presenças e vozes do que as nossas casas barulhentas.
As palavras de Gaber são precisamente a explicação profunda de uma experiência, muitas vezes ignorada a quem vive numa multidão, movendo-se em espaços imensos e no meio de muitas coisas.
Com efeito, para ter uma presença autêntica, para viver em plenitude as relações, para descobrir acontecimentos verdadeiros, não é suficiente nem sequer necessário agregar-se e encontrar-se.
Efetivamente, quantos jovens estão sós, ainda que vivendo em bando, quantas solidões na cidade, quantos contactos se detêm pela rama, quantas relações se arrastam estafadamente e sem fervor.
Eis, então, a verdadeira pertença, que outra coisa não é que a genuína declinação do verdadeiro amor: «Ter os outros dentro de si», como carne da tua carne, pensamento dos teus pensamentos, parte da tua própria vida.
As irmãs de clausura muitas vezes, sem que nós o saibamos, trazem-nos consigo, arrancando-nos da nossa superficialidade, protegendo-nos dos riscos do mal, oferecendo-nos a Deus, mesmo quando estamos distraídos e voltados para os ídolos.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]