O homem da porta ao lado
«Amar a humanidade não é grande esforço: extenuante é amar o homem da porta ao lado.» «Eu amo a humanidade. As pessoas é que não suporto!»
No comboio o passageiro que viajou ao meu lado deixou uma revista de banda desenhada, lida durante toda a sua viagem. Folheio-a, algo curioso, e encontro estas duas frases convergentes, ainda que em páginas diferente.
Ambas são ditas por duas personagens, queridas também a quem não lê este género de revistas: a primeira é de Mafalda, criatura impertinente mas divertida do desenhador argentino Quino, e a segunda é do delicioso Linus, o menino criado pelo norte-americano Charles Schulz, que morreu em 2000.
Aquilo que os pequenos nos ensinam é uma verdade sacrossanta. Todos encontrámos na vida que pessoas que enchem a boca de compromisso civil, de direitos dos povos violados, de justiça social, e depois são irascíveis e ferozes com o vizinho da casa.
Diz-se que Cesare Beccaria, italiano do século XVIII, grande paladino contra a pena de morte, era implacável contra os seus empregados domésticos, a tal ponto que arrastou para um processo judicial e para a prisão um servo que lhe tinha subtraído, nas suas palavras, um talher.
Cada um de nós, em todo o caso, deve reconhecer que é fácil fazer declarações de princípio, ensinar a justiça e o amor, ser apoiantes da magnanimidade, mas quando se tem uma pequena desavença com o vizinho de casa, ou um dissabor com um familiar, eis que subitamente o amor à humanidade se transforma em inflexibilidade e ferocidade na defesa dos próprios direitos.
Os miseráveis do mundo podem ser amados, mas dobrar-se sobre o pobre que se encontra na estrada é bem mais difícil, como nos ensinou Jesus na parábola do sacerdote e do bom samaritano.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]