O automóvel
«Os homens metem no seu automóvel tanto amor-próprio como gasolina.» «O automóvel tornou-se agora como um artigo de vestuário, sem o qual nos sentimos nus, incertos e incompletos.»
Juntei hoje duas afirmações de autores diferentes que cruzei na leitura de um só ensaio. Ambas as declarações, apesar de terem origens diferentes, convergem para um único símbolo, típico da nossa civilização, o adorado automóvel.
Quer o escritor e jornalista francês Pierre Daninos, quer o famoso investigador canadiano dos “mass media” Marshall McLuhan delineiam o aspeto mítico deste objeto de grande sucesso na publicidade e que se tornou emblema do nosso tempo, além de componente decisiva para a economia e, infelizmente, também da degeneração ambiental.
Como sugere Daninos, ao automóvel muitos reservam um amor que muitas vezes não dedicam aos seus semelhantes. Basta apenas assistir ao ritual da manutenção da sua máquina, à histeria que os atinge quando se avaria, à mutação humana que se regista quando estão ao volante e se abandonam a furores homéricos dirigidos aos outros que atentam contra a sua majestade.
O automóvel faz de tal maneira parte da vida de uma pessoa, que McLuhan tem razão quando diz que ele é uma roupa sem a qual não se entra no mundo e não se tem segurança.
Tudo isto faz-nos compreender um elemento de ordem geral, o da dependência das coisas, que, se por um lado, é justa e real, por outro pode transformar-se em subordinação e em servidão, ao ponto de confundir a escala dos valores e a própria dignidade. Uma consequência, portanto, mais séria do que à primeira vista pode parecer.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]