O desaparecimento de Deus
«Devemos ao bem-estar opulento e ao orgulho da técnica se a fé em Deus vai desaparecendo. Multiplicámos o ruído e enchemos tudo de nós mesmos. Depois disso, admiramo-nos se o Senhor não se manifesta?»
Talvez algumas vezes a tentação tenha atravessado também o coração dos crentes: eles erguem o olhar para o céu, muitas vezes a poluição redu-lo a um manto cinzento, privado de luz e de estrelas, apenas capaz de te fazer suspeitar do vórtice de satélites militares, prontos a espiar-te. O olho de Deus já não está lá.
Já não se é capaz de dizer com o profeta Isaías: “O Senhor senta-se sobre a cúpula do mundo, de onde os habitantes parecem gafanhotos” (40,22). Nem se espera que «o Senhor do céu se incline sobre os homens para ver se existe um sábio, se há alguém que procure Deus» (Salmo 14,2).
Fica-se então convencido de que estamos sozinhos, sem testemunhas, e por isso autorizados a fazer aquilo que se quer, sem hesitações e sem temor de Deus. As palavras de Andrei Sinjavski (1925-1997), escritor do dissenso russo, emigrante em França, acertam no alvo.
Ele fala de um bem-estar opulento, uma técnica cada vez mais incontrolável na sua presumida omnipotência, um ruído ensurdecedor que impede toda a interioridade, um acumular de coisas que procura adormecer os frémitos da consciência.
Desta maneira, como podemos pretender ouvir os passos de um Deus que percorre os nossos caminhos sem campanhas publicitárias, porque a sua voz fala aos corações?
Os antigos latinos diziam que os deuses têm os pés envolvidos em lã, e portanto silenciosos. É por isso que Deus nos parece ausente, quando na verdade está junto de nós, invisível só porque nós olhamos para outra coisa, mudo só porque estamos com os auscultadores do ruído exterior.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]