Ser si mesmo como outro

Razões para Acreditar 25 julho 2019  •  Tempo de Leitura: 2

«Nunca está só quem é pessoa. [O ser humano] torna-se pessoa numa correspondência de reciprocidade e de relação. É ser si mesmo como outro que torna o ser humano uma pessoa.»

 

Por mais de meio século, o filósofo francês Paul Ricoeur foi um ponto de referência nobre do pensamento contemporâneo. Entregamo-nos a estas suas palavras para comentar uma locução, o si mesmo como outro, que indica a relação que intercorre entre duas pessoas.

 

É famoso o apelo de Cristo: «Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei» (João 15,12). A mulher do Cântico dos Cânticos exprime de maneira fulgurante este ligame: «O meu amado é meu, e eu sou sua. Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu» (2,16; 6.3).

 

Não se é ainda plenamente pessoa humana se não se sai de si mesmo para encontrar o outro. A mónada fechada em si mesma, ou a porta blindada que te isola dos outros na suspeição e no medo, são imagens que representam uma situação bastante comum.

 

É verdade que há riscos de cada vez que se abre a porta do coração ou se estende o braço a um outro, mas desgraçado de quem decide optar pelo isolamento e pelo autismo espiritual.

 

Já Qohélet, sábio bíblico deveras cético no que diz respeito ao próximo, reconhecia que «é melhor dois do que um só:tirarão melhor proveito do seu esforço. Se caírem, um ergue o seu companheiro. Mas ai do solitário que cai: não tem outro para o levantar! E se dormirem dois juntos, dormem quentes; mas se alguém está só, como se há-de aquecer?» (4,9-11).

 

O egoísmo, a solidão forçada, o fechamento como um ouriço, no fim, tornam o ser humano já não uma pessoa, mas um prisioneiro de si mesmo, um infeliz autorrecluso, um segregado sem amor.

 

[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]

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