«Cada um de nós tende para si próprio com escala pelos outros»

Razões para Acreditar 31 julho 2019  •  Tempo de Leitura: 8

Joana chega à sessão para celibatários de 35-50 anos, ombros arqueados, olhar fechado, andar pesado. Tem 39 anos, é professora, licenciada em história. É a segunda da família e tem três irmãos. Sente-se feliz na escola, está à vontade com os alunos; gosta de iniciar, despertar as crianças para a natureza, para as histórias que fazem aumentar o desejo de crescer.

 

Mas desde há algum tempo que, quando sai da escola, se esconde, foge de contactos, já não consegue confiar nem nos outros nem nela própria. Já não se suporta na sua posição de única filha da família com três irmãos muito desportivos, fanáticos do rugby, jogadores no clube, constantemente em modo diversão. Desde sempre a protegeram, mas não lhe dão muito espaço para que encontre a sua maneira de ser mulher, de dizer as suas intuições, de ter amigas só dela, homens que não sejam desportivos. É verdade que ela é a menina da família: o pai orgulha-se de ter uma jovem calma, atenciosa, séria numa profissão estável. Mas a mãe preocupa-se por ela, porque já não consegue ver como a pode ajudar a sair do seu isolamento, como poderá ela encontrar, finalmente, o homem da sua vida. A Joana já não sabe como se orientar: como tem um ordenado baixo, não pode pagar por tempos livres que lhe fariam encontrar mais pessoas; pensa que não é fisicamente tão bonita como as suas cunhadas, deixou de ter qualquer segurança na sua identidade de mulher. E já não pode ir a uma festa familiar sem que todas as tias lhe perguntem sobre o seu celibato… e todos os primos que têm filhos. Insuportável!

 

As últimas ocasiões para encontrar homens com quem fazer um início de caminho foram desperdiçadas: demasiada complexidade num, que desencadeou nela o pânico; sem conseguir arranjar tempo para estar com aquele, porque o trabalho tomava-lhe todas as horas. As propostas mais insistentes vêm de homens casados ou recém-divorciados. Para ela, está fora de questão… Sente-se culpada por tudo aquilo que acontece na sua vida: sem homem, sem filho, sem estar bem na sua pele de mulher, sem grande futuro profissional… O horror absoluto!

 

Despertar os sentidos

 

Uma sessão para celibatários que reúne tanto homens como mulheres vai reabrir múltiplas janelas nesta vida bloqueada. Primeiramente há 30 pessoas, e numa só ocasião um novo tecido relacional a descobrir, uma oportunidade para sair da concha. Três a cinco horas de caminhada por dia num parque nacional: o esforço físico, a beleza da paisagem, os cheiros do solo, a frescura dos lagos fazem esquecer os itinerários habituais, assegurando uma estabilidade exterior que alivia os pesados pesos interiores. Desde o primeiro dia, é proposto que a primeira hora de marcha seja silenciosa com um texto bíblico. Ainda que não seja é uma “oração”, Joana tem tempo para escutar as sonoridades do ribeiro e o canto dos pássaros, de se maravilhar com a flora multicor, de sentir debaixo dos seus passos a doçura da erva ou a rugosidade das pedras… O facto de ter de assumir a cozinha, a loiça e a propriedade da grande casa durante uma semana pareceu-lhe assustadora: «Refeições com mais de 30, quando estou habituada a cozinhar só para mim…». Mas, depois, preparar em conjunto, dar ideias de apresentação, decorar, melhorar, torna-se quase um jogo calmante, uma maneira de dar prazer aos outros…

 

Não ser a única a falar dos medos

 

A Joana aprecia o tempo diário de encontro em pequenos grupos de seis sobre um assunto preciso, que permite abordar as questões que ela se coloca: cada um tem tempo para escrever o que vai dizer, o que permite escutar melhor quem fala. Pouco a pouco, no grupo, a qualidade da escuta aprofunda-se, a palavra pessoal torna-se mais comprometida: ela pode mencionar a sua dificuldade de se aceitar como mulher no meio dos três irmãos, e mesmo as questões da sexualidade: o facto de poder falar inicialmente entre mulheres permite-lhe descobrir que ela não é a única a encontrar as palavras simples para dizer a sua sexualidade, o seu desejo pujante de ser mãe, o seu medo de se comprometer longamente com um homem… Ela escuta os fracassos, as ruturas e as ajudas possíveis para sair da sua culpabilidade que a Catarina partilha com pudor. É como um balão de oxigénio. Ao falar da sua experiência com ela durante a caminhada na montanha, Joana vê melhor como se pode ajudar psicologicamente: não é uma tara ir ao psicólogo, não é uma fatalidade ter nascido numa tal família…

 

Ela já tem uma verdadeira fecundidade

 

Ela percebe melhor, também, aquilo que é do domínio espiritual: como é amada por um Deus que a quer livre, como pode responder a este amor de maneira pessoal, e não por ter medo do olhar dos outros ou de um Deus escrupuloso… Ao retomar, no penúltimo dia, o conjunto do processo com o seu grupo de palavra, Joana percebe que tem um caminho só seu a inventar, que ela pode levar os acontecimentos da sua vida já não como um fardo impossível de arrastar, mas que pode ajudar-se. Dá-se conta de que já tem uma verdadeira fecundidade quando desperta os alunos da sua turma para a confiança e para a vida, mesmo se ela continua a ter um desejo louco de trazer crianças nela. Pode contar com os outros para passar os momentos difíceis: um projeto para o reencontro na passagem de ano, endereços de correio eletrónico que dão novidades, narrativas bíblicas ou textos poéticos que oferecem palavras que abrem.

 

Alguma coisa de leve

 

No último dia, grande caminhada de seis horas. O corpo está mais leve e mais treinado, o tempo está bom, o sol desvanece as últimas nuvens, todos os cumes se tornam límpidos: o panorama é verdadeiramente sublime, com a possibilidade ver longe: é um verdadeiro presente que abre horizontes interiores. Joana aprecia estes momentos simples, em que pode partilhar o piquenique, tirar fotografias, receber um gesto de amizade sem medo, trocar olhares em liberdade. Obviamente, será preciso descer da montanha, retomar o caminho de casa, voltar às crianças da escola, aos colegas… Mas há alguma coisa de leve nela, como se tivesse reencontrado as fontes. Ela retém no seu coração esta frase do poeta Fernando Pessoa: «Cada um de nós tende para si próprio com escala pelos outros».

 

[Claude Charvet, SJ | In Croire]

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