Os desertos
«Há muitas formas de deserto. Há o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, há o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Há o deserto da obscuridade de Deus, do esvaziamento das almas que deixaram de ter consciência da dignidade e do caminho do ser humano. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo porque os desertos interiores tornaram-se vastos.»
Num tempo em que, com frequência, se reflete, dentro e fora da Igreja, sobre a sua presença no seio da história, da cultura e da sociedade, evocamos hoje um excerto da homilia da missa inaugural do pontificado de Bento XVI, pronunciada a 24 de abril de 2005.
O retrato dos desertos espirituais é nítido e multiforme, e nele reencontramos a vastidão das estepes da humanidade de todos os tempos, mas em particular dos nossos dias, com as diferentes regiões que se chamam pobreza, miséria, solidão, vazio, crise da consciência e da fé, dignidade perdida.
Neste horizonte que se alarga a perder de vista, talvez descubramos também o pequeno campo desolado da nossa vida, com as mesmas devastações. Gostaria, porém, de acentuar a frase final: o deserto físico, ou seja, destruição do ambiente, desolação urbana, inquinamento ecológico são muitas vezes o efeito de uma desertificação interior.
Na tradição muçulmana imagina-se que Deus deixa cair sobre o jardim da criação um grão de areia a cada pecado do ser humano: explica-se assim o avanço das terras áridas que mordiscam incessantemente o verde da vida e do mundo.
Cada iniquidade ou delito não se reduz ao “privado”, mas tem ecos e influxos na sociedade. É por isso, então, que cada ato de conversão e de bem fecunda e transfigura o mundo.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi |In Avvenire]