Hoje é o dia favorável, o agora em que começa a tua eternidade
Todos o sabemos, a vida humana só é vivida uma vez, e é a partir desta unicidade do tempo que, como um fruto, cresce a eternidade. Nós, cristãos, sabemos que este tempo único nos é dado por Deus. Somos chamados num tempo determinado, e temos um tempo do qual não decretamos a lonjura: é Deus que a determina.
Neste tempo, cada momento é único e preciso, pelo que, em definitivo, nenhum momento pode ser substituído por um outro. E dado que somos cristãos, somos, enquanto cristãos, chamados no tempo de Cristo, dado que a nós é pregada a Palavra de Deus revelada, a Palavra da sua reconciliação, do seu amor, da sua misericórdia, porque a Palavra de Deus feita carne pertence ao nosso tempo, é por isso que o dia da salvação está verdadeiramente lá, bem como o momento favorável, o momento conveniente, o momento oportuno, segundo a tradução que se poderia talvez dar a esta palavra em Paulo.
É por isso que Paulo afirma (e a Igreja di-lo agora, no início deste tempo de Quaresma): é agora o tempo favorável, o “kairos” para vós, é agora o dia da salvação. Este agora não existe para sempre, mas passa; este agora é um dom que não está em nosso poder.
Talvez tenhamos ainda uma longa vida à nossa frente, talvez vivamos ainda numerosas Quaresmas, e no entanto cada momento da nossa vida é precioso, e cada um é um dom de Deus.
Ó Deus, dá-nos na tua graça a luz e a força de reconhecer e de viver o dia, o momento tal como Tu não cessas de nos dar: como o dom que Tu nos concedes, como a tua graça e como nossa missão
Muitas vezes gostaríamos de ter outros tempos, na história do mundo e na nossa vida. Talvez tenhamos um tempo de sofrimento, e gostássemos de ter um tempo de alegria. Talvez gostássemos de conhecer tempos magníficos, e temos um tempo de trabalho pobre, penoso, monótono, aborrecido, do qual – acreditamos – não sai grande coisa.
E todavia, de cada um dos nossos instantes, a Escritura pode dizer: eis agora o tempo favorável, eis agora o dia da salvação: este dia que tu tens agora, a hora que te é dada agora.
Sem cessar deveríamos, com toda a força do nosso coração, dirigir a Deus esta oração: dá-me a luz e a força para reconhecer o tempo que tenho agora como Tu queres que eu o reconheça: como alguma coisa que talvez seja preciso suportar e que é talvez problemático, e amar, como a hora, talvez, da morte e da lenta agonia, mas sobretudo como a tua hora, como o dom que Tu me fazes, e como o dia da tua salvação.
Se começássemos assim cada dia, se aceitássemos cada hora da mão de Deus, ou seja, de onde ela verdadeiramente nos vem, se não nos queixássemos, se não atacássemos a situação na qual estamos situados sem poder escapar dela, mas se disséssemos com fé e humildade, na força do Espírito e na luz do Senhor: é agora o dia da salvação, a hora da salvação, o momento favorável, de onde pode surgir a minha eternidade, será que a nossa vida não seria melhor vivida?
Não aconteceria, então, que os nossos dias – mesmo se, humanamente, são vazios e desolados – se tornariam mais cheios, mais luminosos, maiores, mais amplos e mais felizes desta felicidade secreta que o cristão pode conhecer mesmo na cruz e na desolação?
Digamos mais uma vez com o apóstolo: eis agora o tempo favorável, eis agora o dia da salvação. Ó Deus, dá-nos na tua graça a luz e a força de reconhecer e de viver o dia, o momento tal como Tu não cessas de nos dar: como o dom que Tu nos concedes, como a tua graça e como nossa missão, a fim de que deste tempo, deste tempo favorável de salvação, germine a tua salvação.
Oração
Cada um dos dias da minha vida quotidiana, Senhor, é o teu dia:
Dia da tua graça, dia do teu amor.
Por isso, Senhor, preciso de viver cada um dos meus dias e aceitá-lo como o teu dia.
Mas por que meios, os meus dias humanos
podem tornar-se os teus dias?
Só Tu, ó meu Deus, podes conceder-me esse meio.
Nem o medo, nem qualquer potência da alma, nem mesmo a morte me evitarão perder-me nas coisas do mundo;
só o teu amor me libertará:
o amor por ti, único fim de todas as coisas,
o amor por ti, que para ti basta, e que só ele pode preencher os nossos desejos…
Amando-te, reencontro o que estava perdido;
tudo se torna canto de louvor e de ação de graças dirigido à tua infinita majestade.
O que estava dividido, o teu amor conduziu à unidade;
o que estava disperso, Tu recolhes em ti;
Aquilo que se tinha tornado puramente exterior, o teu amor fá-lo reentrar
“no interior”.
Mas este amor que aceita a vida quotidiana tal como ela se apresenta,
que transforma cada um dos meus dias humanos num dia de graça para o fazer desaguar em ti,
esse amor só Tu mo podes fazer dom.
Só tenho uma prece a balbuciar:
concede-me o dom mais banal e mais maravilhoso que seja:
toca o meu coração pela tua graça, concede-me o teu amor.
Permite que ao usar das coisas deste mundo, na alegria ou na dor,
eu chegue, através delas, a compreender-te e a amar-te…
Para que um dia todos os meus dias desaguem
no único dia da tua vida eterna.
[Karl Rahner | In Narthex]