Estamos de parabéns
Num supermercado fiquei a ver uma funcionária que estava a carregar as prateleiras.
Havia outras pessoas à volta dela. Só duas interromperam o trabalho dela para fazer perguntas irritantes, tais como “acha que ainda vêm os iogurtes de ananás?” e “tem alguma ideia quando é que vai trazer os chiringuitos com sarapatel?” Impressionaram-me a paciência e a bondade dela. Era como se estivesse a colocar-se no lugar dos interlocutores. Não é essa a essência da humanidade, reconhecer o eu no outro?
Há um erro epistemológico em dizer que os trabalhadores da saúde não precisam do aplauso de quem vai às janelas. É escusado dizer que precisam é de melhores condições de trabalho porque não há escolha entre as palmas e a dignidade profissional: porque é que não podem ter ambas as coisas?
Fazemos bem em ir às janelas. Deveríamos também agradecer às multidões imensas de trabalhadores, como aquela funcionária do supermercado, que nos aturam e que tornam a nossa vida aturável.
São as pessoas sem escolha, as pessoas que têm de ir trabalhar, as pessoas que agora correm mais riscos do que nós sem serem por isso recompensadas. Essas também merecem as nossas palmas. São um motivo de orgulho e de tranquilidade. O mínimo que podemos fazer é aprender com elas.
Também estão de parabéns as outras pessoas: as que fazem fila, as que colaboram, as que partilham, as que compreendem, as que pensam nos outros. Somos todos nós. Portugal e os portugueses estão a portar-se com elevação e sentido de comunidade.
É bom fazer parte deste povo.
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