A Cruz, enxerto do Céu na Terra, trono onde o amor penetra no tempo

Razões para Acreditar 5 abril 2020  •  Tempo de Leitura: 3

Estamos a entrar num tempo que nos faz pensar (cf. Mateus 26,14– 27,66). «Todos os seres humanos vão a Deus no seu sofrimento, choram por ajuda, pedem felicidade e pão, salvação da doença, da morte. Assim fazem todos, todos, cristãos e pagãos… Os seres humanos vão a Deus no seu sofrimento, encontram-no pobre, ultrajado, sem abrigo nem pão, consumido… Os cristãos estão próximos de Deus no seu sofrimento» (D. Bonhoeffer).

 

O sofrimento que então ardeu na paixão de Jesus e hoje arde nas cruzes sem fim onde Cristo continua crucificado nos seus irmãos. A Semana Santa é a semana da suprema proximidade, nela entramos como garimpeiros à procura de ouro.

 

Mesmo isolados nas suas casas, os cristãos estão próximos, estão em empatia próximos do sofrimento de quantos pedem vida, saúde, pão, conforto. E onde respiram melhor é junto à cruz.

 

Olho o Calvário e vejo um homem nu, pregado e moribundo. Um homem com os braços escancarados num abraço que nunca renegará. Um homem que não pede nada para si, não grita lá de cima: recorda-te de mim, tenta compreender, defende-me… Esquece-se e preocupa-se com quem lhe morre ao lado: hoje, comigo, estarás no Paraíso.

 

O fundamento da fé cristã é a coisa mais bela do mundo: um ato de amor total. A suprema beleza da história é aquela que aconteceu fora de Jerusalém, sobre a colina, onde o Filho de Deus se deixa pregar, pobre e nu como um verme ao vento, para morrer de amor.

 

A cruz é o enxerto do Céu dentro da Terra, o ponto onde um amor eterno penetra no tempo como uma gota de fogo, e arde. E escreve a sua narrativa com o alfabeto das feridas, o único que não engana.

 

É daqui que provém a comoção, a admiração, o enamoramento. Após dois mil anos, sentimos também nós como as mulheres, o centurião, o ladrão, que na cruz está a suprema atração de Deus. Sei que também eu não compreendo. Mas no fim convence-me não um raciocínio subtil, mas a eloquência do coração: «Porquê a cruz/ o sorriso/ a pena inumana?/ Acreditai-me/ é muito simples/ quando se ama» (J. Twardowski).

 

Tu que salvaste os outros, salva-te a ti mesmo, se és o Cristo. Dizem-no todos, chefes, soldados, o ladrão: faz um milagre, conquista-nos, impõe-te, desce da cruz, e acreditaremos em ti. Qualquer homem, qualquer rei, podendo-o, desceria da cruz. Ele, não. Só um Deus não desce do madeiro (D.M. Turoldo), o nosso Deus.

 

Eu, buscador, encontro aqui a proximidade absoluta: de Deus a mim, de mim a Deus; na cruz estremece aquela paixão de comunhão que tem a força de fazer estremecer as pedras de cada sepulcro nosso, e de nelas fazer entrar o alívio da manhã.

 

[Ermes Ronchi | In Avvenire]

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