A sustentabilidade segundo a Bíblia, por Gianfranco Ravasi
«Sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde» (papa Francisco, “Laudato si’”, 89).
Mesmos os cientistas, do seu ponto de vista – muitas vezes não escutados pelos políticos e desmentidos por comportamentos quotidianos dos cidadãos – reiteram que estamos no interior de um único e grandioso ecossistema, que o químico britânico James Lovelock denominou com o termo de matriz grega Gaia, a Terra, considerada como um único organismo vivo.
Não é por acaso que o termo “natura” deriva do verbo “nascer”, evocando algo de vivente, e é sugestivo recordar que, sempre na língua do classicismo grego e do Novo Testamento, o vocábulo “physis” (que gerou o nosso “física”) descende do verbo “phyein”, que significa “respirar”.
Infelizmente, são muitos os atentados que a civilização contemporânea comete contra esta unidade admirável, na qual «há sempre alguma coisa de maravilhoso», como afirmava já no século IV a.C. Aristóteles, o célebre filósofo grego. Também o sábio bíblico do II século a.C., dito Sirácida, escrevia: «Quanto são amáveis todas as obras do Criador! E delas apenas uma centelha se pode observar… Todas as coisas são duas a duas, uma diante da outra, Ele nada fez de incompleto» (42,22.24).
«O mundo é um belo livro, mas de pouco serve a quem não sabe lê-lo», escreveu o comediógrafo setecentista Carlo Goldoni. E a admiração que se experimenta ao folhear as suas páginas não floresce só ao contemplar o cosmo, mas também o microcosmo (pensemos apenas em quanto a ciência descobriu no interior das partículas mínimas da matéria.
Há uma palavra que enche as bocas, mas deixa indiferente as mãos e, portanto, o empenho das pessoas: sustentabilidade. Obviamente o termo equivalente não existe das Sagradas Escrituras, mas o conceito está presente e foi desenvolvido pela própria tradição cristã. No interior da “Laudato si’” ressoa pelo menos uma dúzia de vezes. A Palavra de Deus condena repetidamente a exploração insensata e egoísta dos bens que Deus destinou universalmente à humanidade.
Esses bens são açambarcados só por alguns poucos ou desperdiçados insensatamente: pense-se na dispersão da água, ou na fome do mundo quando um terço dos alimentos é objeto de descarte, ou no fenómeno do denominado “overshoot”, através do qual se começam a consumir produtos e energias terrerstres destinados ao ano seguinte já nos primeiros meses do ano anterior, com um excesso que ignora o futuro.
Na parábola do rico que se banqueteia até à náusea e do pobre Lázaro que se tem de contentar com os restos lançados fora (cf. Lucas 16,19-31) está a síntese simbólica deste drama.
[Card. Gianfranco Ravasi | In Famiglia Cristiana]