A lógica da debilidade
Se interrogarmos a Escritura, verificaremos que há nela como que uma linha vermelha que indica que a única via para se viver em plenitude é a da fragilidade e da debilidade.
Jesus, tendo compreendido que esta via é a única salvífica, porque a única na qual Deus se pode revelar, explodiu num hino de gratidão e de alegria a seu Pai, que escolheu esta louca modalidade: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado» (Lc 10,21).
É a lógica vivida por Jesus, que é a revelação do Pai; por isso, os seus discípulos são chamados a percorrer o mesmo caminho como única possibilidade de realização. E isto não por simples obediência a Deus, mas como consequência de estarem enxertados em Cristo: se estivermos enxertados em Cristo, daremos os frutos de Cristo. De facto, cada um dá o que é. Se Deus é poderoso na sua impotência, na sua fragilidade, o discípulo realizar-se-á como pessoa através da mesma modalidade.
Mas aos olhos do mundo, isto parece ser loucura. É a lógica da pedra rejeitada que se torna pedra angular (cf. Mt 21,42 que cita o Salmo 118,22): o Cordeiro só se torna o vencedor porque é imolado (cf. Ap 5,12); o grão de trigo só produz fruto porque morre (cf. Jo 12,24). A fecundidade brota da aparente infecundidade total.
É importante fazer memória de Deus na nossa vida, recuperando aqueles momentos em que experimentámos o seu amor. Se fizermos assim, quando nos encontrarmos novamente em situações dramáticas, recordar-nos-emos do amor e poderemos pôr-nos nas mãos daquele que já nos salvou
Deus manifestou a sua potência máxima na máxima impotência da cruz. A lógica evangélica é louca para o mundo. O verdadeiro drama só existe – mesmo na Igreja – quando fazemos nossa a mentalidade do mundo; quando pensamos que a nossa fecundidade deriva exclusivamente dos nossos esforços; quando pensamos que as coisas só podem andar bem quando houver uma organização plena; quando tudo está seguro e é eficiente; quando o resultado é proporcional à nossa obra.
Como já vimos, o Antigo Testamento é uma galeria riquíssima de personagens débeis e frágeis que, precisamente por isso, fizeram a história de Israel. Recordemos as famílias desprotegidas, partindo da «primeira», e a presença de personagens improváveis, como as quatro mulheres erradas que se tornaram elos de união para a presença de Cristo no mundo.
Pensemos em Jacob, que subtrai ao irmão, em primeiro lugar, a progenitura (Gn 25,29-34) e, depois, a bênção do pai com uma estratégia muito pouco santa (Gn 27). Esaú fica furioso e passa a sua vida a procurá-lo para o matar. Jacob escapa e foge continuamente; tornou-se muito rico e pensa conseguir aplacar a ira do irmão, dividindo parte das suas riquezas com ele. Mas chega o momento da luta com o anjo que, como sabemos, na Escritura é a re presentação de Deus (Gn 32,25-32). Por isso, Jacob luta com Deus e vence-o; e Deus diz-lhe: «Deixa-me partir porque já rompe a aurora.» Aqui, a Escritura parece sugerir que, para aniquilar Deus, basta um raio de sol. Existe uma corrente teológica que se interrogou sobre a impotência de Deus. Quando no Credo dizemos: «Creio num só Deus, Pai todo-poderoso», devemos lembrar-nos de que a omnipotência de Deus só está no amor.
Jacob vence, mas fica a coxear. E, então, acontece uma cena belíssima, quando Jacob vê Esaú caminhar ao seu encontro e pensa que já não pode fugir-lhe. Esaú aproxima-se e vê Jacob a coxear. Esta visão do irmão frágil e ferido comove-o, e, em vez de matá-lo, lança-lhe os braços ao pescoço e choram juntos (Gn 33,1-4). E perdoa-lhe. Tudo o que Jacob queria alcançar realiza-se no in sucesso. Quantas vezes na nossa vida experimentamos um sucesso precisamente porque «não tivemos sucesso»? Quantas vezes constatamos que uma fecundidade brota justamente de um fracasso? «Às vezes, o único modo de vencer é render-se» (Richard Bach, Il libro ritrovato).
É preciso outra leitura, que encontre o sentido espiritual das Escrituras: os inimigos não são de carne e osso, mas são interiores, exércitos que trazemos dentro de nós e que podem fazer-nos muito mal
Numa belíssima oração, John Donne, poeta teólogo inglês do século XVI, escreve:
«Destrói-me o coração, Deus de três pessoas,
que até agora bateste à minha porta, murmuraste,
fizeste luz e procuraste corrigir-me;
se queres que me levante e fique de pé, abate-me,
despedaça-me, queima-me e refaz-me novamente.
Como cidade usurpada, a outro devida,
intrigo para fazer-te entrar, inutilmente;
a razão, que em mim é o teu vice-rei,
e deveria ajudar-me, é prisioneira,
e mostra-se débil e falaz.
Contudo, amo-te e queria voltasses a amar-me,
mas sou noivo do teu inimigo:
dissolve, separa e quebra de novo aquele anel.
Rapta-me, aprisiona-me, porque
ou me faço escravo e nunca mais serei livre
ou violenta-me e nunca mais serei casto» (Preghiere teologiche).
Pensemos em Moisés, encarregado por Deus de uma missão que preanuncia a ação do próprio Cristo: é chamado a fazer sair do Egito o seu povo e a conduzi-lo à Terra Prometida. Precisamente ele, homicida e, além do mais, gago, chamado a uma vocação vertiginosa.
Deus chama-o e, ao chamá-lo, salva-o na sua limitação. Moisés é aquele que, salvo das águas, faz experiência do amor de Deus para com ele; isto permitir-lhe-á, quando se encontrar diante da água do Mar Vermelho (símbolo da morte), recordar-se daquilo que viveu no nascimento, ou seja, a intervenção salvífica de Deus e, portanto, confiar nele mais uma vez.
Isto é a fé. Fé é dar confiança ao amor.
É importante fazer memória de Deus na nossa vida, recuperando aqueles momentos em que experimentámos o seu amor. Se fizermos assim, quando nos encontrarmos novamente em situações dramáticas, recordar-nos-emos do amor e poderemos pôr-nos nas mãos daquele que já nos salvou uma vez.
Muitas outras personagens da Bíblia nos confirmam nesta lógica da debilidade. Entre elas, recordemos: Judite, que é uma mulher, armada unicamente com a sua beleza, que, no entanto, mata Holofernes, o chefe supremo do poderoso exército assírio de Nabucodonosor (Livro de Judite): David, que é somente um rapaz, não adestrado na guerra, mas que luta contra Golias e o mata (1Samuel 17). (…)
Muitas vezes, parece que, em nós, é o mal que vence, porque fazemos o que não quereríamos e encontramo-nos derrotados, sujos, dentro do inferno. Mas, dentro de nós, há um bem que pode vencer tudo isto: é a Palavra de Deus, a convicção de que Deus nos ama. Há Cristo, há a Palavra que ouvimos
Gedeão tem de fazer guerra aos madianitas; consegue juntar um exército de trinta e dois mil homens (cf. Jz 7,3). Segundo a lógica do mundo, quanto mais poderoso for o inimigo, mais é preciso proteger-se. Quando David teve de ir combater o gigante Golias, Saul, verdadeiro homem de Deus, reveste-o com uma armadura poderosa; só que David, com toda aquela parafernália em cima de si, nem sequer consegue mexer-se; por isso, livra-se dela e vai, tal como estava, pôr-se na frente do inimigo, em nome daquele Deus que já o tinha salvado das garras do leão. Apenas leva consigo uma funda e cinco pedras lisas (1Sm 17,38-40).
Na Escritura, aqueles que, na sua debilidade, confiam na Palavra conhecem a vitória; ao contrário, aqueles que confiam nas suas capacidades pessoais, na violência e nas suas soluções conhecem a morte.
Antes de Gedeão ir para a batalha, Deus revela-se-lhe, dizendo-lhe que, para vencer os madianitas, trinta e dois mil homens são demasiados e pede-lhe que reduza o seu exército. Depois de algumas seleções, por fim restam trezentos homens. Pois bem, diz Deus: «É com os trezentos homens que beberam a água com a língua que Eu vos salvarei e entregarei os madianitas nas tuas mãos; o resto do povo que volte para sua casa» (cf. Jz 7,2-8).
É desconcertante, como também o é o modo como Gedeão consegue a sua vitória: «Dividiu, então, os trezentos em três grupos; pôs uma trombeta na mão de todos eles, bem como cântaros vazios com tochas dentro deles» (Jz 7,16). Com estas «armas» – cornos e jarros vazios iluminados –, o minúsculo exército de Gedeão circunda o acampamento inimigo; o grande barulho e os gritos de guerra fazem com que os inimigos, tomados de pânico, ao tentarem fugir, se lancem num dramático aniquilamento recíproco, quase como num suicídio coletivo.
A potência está na semente, não no tipo de terreno. Sempre nos concentramos em compreender que tipo de terreno somos, mas deveríamos antes de tudo recordar-nos de que dentro de nós há sempre terreno bom e que Deus aposta nele
Recordemos as palavras do Salmo: «A tua palavra é farol para os meus passos e luz para os meus caminhos» (Sl 119, 105). Os archotes são figura da Palavra de Deus, como toda esta passagem bíblica é uma figura simbólica a dizer-nos que a nossa história cristã deve entrar no território do inimigo – isto é, acertar contas com o inimigo interior, com o mal –, em nome de Deus.
De facto, uma leitura cristã do Antigo Testamento não pode ficar ao nível superficial do que é contado – inimigos, batalhas, um Deus que pede que se combata e ordena extermínios –, pois só poderia deixar-nos perplexos e duvidosos. É preciso outra leitura, que encontre o sentido espiritual das Escrituras: os inimigos não são de carne e osso, mas são interiores, exércitos que trazemos dentro de nós e que podem fazer-nos muito mal. A história de Gedeão sugere-nos que o essencial é lançarmo-nos para o interior da luta, não ficarmos do lado de fora; é preciso enfrentar o mal, os inimigos interiores que nos habitam – que também podem ser as nossas fragilidades, os nossos pecados – e chamá-los pelo nome. Mas, para destruí-los, precisamos de estar «armados» com a Palavra de Deus.
Porque, por mais densa que a treva seja, nunca poderá extinguir uma pequena chama. Se num quarto totalmente escuro fizermos entrar a chamazinha de uma vela, a treva não poderá anulá-la e aquela chama iluminará o recinto. É sempre o bem que vence! O bem é a Palavra de Deus que nos revela o seu amor, um amor tão grande que viveu a Paixão e subiu à Cruz por nós. E, a partir do momento em que nos sentimos amados, todos os inimigos interiores se esboroam, desaparecem.
Muitas vezes, parece que, em nós, é o mal que vence, porque fazemos o que não quereríamos e encontramo-nos derrotados, sujos, dentro do inferno. Mas, dentro de nós, há um bem que pode vencer tudo isto: é a Palavra de Deus, a convicção de que Deus nos ama. Há Cristo, há a Palavra que ouvimos. E, mesmo que o bem perdesse, ainda seria vitorioso! Por vezes, o pecado vence-nos e, depois, permanecemos no chão; mas perdermos não quer dizer que sejamos derrotados, porque o bem, a Palavra, vence sempre. O amor de Deus vence, mesmo quando perde. Na Cruz, Deus perdeu; mas foi a sua maior vitória. Esta é a nossa certeza e a nossa esperança. Mesmo que conheçamos o mal e ele pareça vencer, mesmo que sejamos esmagados pelo pecado e pelos limites, a Palavra que nos habita, Cristo, é vitoriosa. Porque o amor não pode morrer. Jesus diz-nos que é só porque se perde que se pode vencer.
A luz vence a treva; o amor é mais forte que a morte. Entremos agora nas nossas histórias diárias; tomemos consciência das nossas feridas, dos nossos limites, das nossas debilidades e dos nossos pecados, mas envolvamo-los sempre com a Palavra de Deus, isto é, com a serena consciência de que somos amados
Recordemos a parábola do semeador que sai a semear (cf. Mc 4,3-20). A parábola também pode ser lida como uma descrição do que aconteceu na vida de Jesus: veio semear a Palavra e conheceu terrenos duros, espinhos, silvas e sufocamentos, mas nem por isso se deteve. Porque a potência está na semente, não no tipo de terreno. Sempre nos concentramos em compreender que tipo de terreno somos, mas deveríamos antes de tudo recordar-nos de que dentro de nós há sempre terreno bom e que Deus aposta nele; além disso, que a semente é a Palavra de Deus, poderosa e sempre vencedora.
A vitória que trazemos dentro de nós não é nossa, mas de Cristo; a sua Palavra ilumina sempre, vence sempre. Embora pareça que é sufocada. No deserto, Jesus esteve em contado com o mal e saiu dele vencedor, em virtude da Palavra: «Jesus respondeu: “Está escrito... Está escrito... Está escrito...”. Então o diabo deixou-o» (cf. Mt 4,1-11).
A luz vence a treva; o amor é mais forte que a morte. Entremos agora nas nossas histórias diárias; tomemos consciência das nossas feridas, dos nossos limites, das nossas debilidades e dos nossos pecados, mas envolvamo-los sempre com a Palavra de Deus, isto é, com a serena consciência de que somos amados. Também seremos jarros vazios, porque a nossa única riqueza é Cristo. Assim, diz São Paulo, refulge a luz de Deus nos nossos corações como um tesouro em vasos de barro (cf. 2Cor 4,7).
[Paolo Scquizzato | In O elogio da imperfeição, ed. Paulinas]