Olhai como crescem os lírios, por Tolentino Mendonça

Razões para Acreditar 27 outubro 2020  •  Tempo de Leitura: 1

«Não vos preocupeis com a vida» (Lucas 12,22). Isto diz-nos Jesus. E isto parece-nos a coisa mais paradoxal que alguma vez podemos escutar, porque, ao contrário, nós nunca nos libertamos das preocupações, que se tornam, quase sem nos darmos conta, o motivo principal da nossa existência.

 

Tu insistes: «Não vos preocupeis». A certo ponto, parece que a única coisa que sabemos fazer bem é preocupar-nos. Deixamos de saber criar, entretecer, projetar. Deixamos de sorrir sem uma razão, de estar com os outros gratuitamente, de passear sem um porquê ou de rezar sem tempo. Damo-nos conta, unicamente, do preso cru da vida, a responsabilidade nervosa por cada coisa, fazendo cálculos, procurando seguranças.

 

Mas Tu, Jesus, explicas-nos: «A vida vale mais do que o alimento e o corpo mais do que a veste» (Lucas 12,23). Se não colhermos isto como uma verdade que apaixona, que salva, acabaremos por esgotar a vitalidade do dom, reduzindo-a a uma inútil luta.

 

Quando percebemos que a vida é mais, é então que cessamos de viver obcecados por aquilo que é mais pequeno, prisioneiros de detalhes ridículos que nos escravizam.

 

Ensina-nos, Senhor, que a espiritualidade não é, na realidade, uma preocupação a mais entre todas as outras. A verdadeira espiritualidade é aquela que se experimenta no abandono, apenas aí.

 

[Card. José Tolentino Mendonça | In Avvenire]

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