Ser santo é ser humano
Estamos a viver um período particular em que as sombras parecem tomar quase todo o espaço da luz, os recursos esgotam-se, as fragilidades guiam o leme da nossa existência e da história. Muitos de nós rebelam-se, outros toleram ou reagem, outros, ainda, constroem, inclusive à própria custa, para que o outro viva.
Muitos acreditam que podem resolver cada situação precária desfraldando e defendendo em todos os momentos o seu pensamento, mesmo se nem sempre está fundado no Evangelho ou é confrontado com outros para encontrar uma síntese para cada circunstância. Na verdade, se observarmos a história individual e social, damo-nos conta de que há «muito movimento à superfície da mente, mas não se move nem se comove a profundidade do pensamento» (papa Francisco, “Gaudete et exsultate”, n. 38). Levamos por diante, mesmo com teimosia, o nosso ponto de vista, sem a consciência dos nossos limites, sem a escuta e o debate com o outro. Absolutizamos, por vezes, o pensamento individual, sem, no entanto, o traduzir em ação.
Tomados pelo nosso individualismo, não vemos nem escutamos nem sequer quem quer caminhar connosco, para poder revisitar juntos os percursos e procurar uma leitura objetiva de cada fração de vida. O método comum adotado hoje é: qualquer oferta que venha do outro é para contestar, sem verificar se o contributo pode abrir novos processos que «construam um povo, mais que obter resultados imediatos que produzam um proveito político fácil, rápido e efémero, mas que não constroem a plenitude humana» (papa Francisco, “Evangelii gaudium, n. 224). Em defesa do nosso quintal parece que nos falta a capacidade de alargar a visão global sobre o mundo, para ver o positivo no outro e reconhecer a peça a que nos podemos prender, para construir o bem comum.
Não pode continuar a ser justificada a nossa indiferença, enquanto cristãos, diante das pessoas que neste tempo dormem na rua ou que não têm o que comer, que estão perdidas; nem podemos aceitar o ataque frontal como método para a comunicação verbal
É possível identificar a existência só com a raiva, ainda que legítima em alguns casos? Como aprender a geri-la, para construir? Onde vão acabar todos os outros sentimentos, e sobretudo a nossa fé? Que alternativas podemos encontrar para viver humanamente este tempo? De que maneira podemos cultivar e oferecer em cada ambiente o contributo crítico, construtivo, que não tenha como único propósito demolir a todo o custo?
Como é difícil, hoje, juntar as várias peças do puzzle que restituem uma visão global da realidade através do exercício contínuo de uma profundidade de pensamento!
Precisamos de voltar a ser pessoas humanas, precisamos de redescobrir o cuidado pelo bem comum, precisamos de uma perspetiva da fé com a realidade, precisamos de ser cristãos crentes, e não ateus de facto.
Terá passado de moda o compromisso a ser santo como Deus é santo? Que significa para nós, hoje, seguir a vida da santidade, para sermos testemunhas autênticas de Jesus Cristo?
Hoje é urgente reencontrar o Senhor, o sentido da nossa vida. Cultivando a relação com Ele, podemos escutar a sua Palavra e vivê-la no quotidiano, não nas grandes ocasiões, mas no momento presente, levando o nosso contributo evangélico que toma forma nas opções não só pessoais, mas também sociais.
Não podemos continuar a permanecer espetadores da história, motivando também o uso da violência para o reconhecimento das necessidades individuais ou de classe. Não pode continuar a ser justificada a nossa indiferença, enquanto cristãos, diante das pessoas que neste tempo dormem na rua ou que não têm o que comer, que estão perdidas; nem podemos aceitar o ataque frontal como método para a comunicação verbal.
Como podemos viver a proximidade neste tempo, usando responsavelmente também os meios de comunicação que nos permitem partilhar com os outros a profundidade da nossa vida? Como estamos a viver o nosso caminho de fé? De que maneira podemos viver a proximidade, ainda que no respeito pelas regras?
A santidade de vida revela-se na capacidade da pessoa de estar sempre em atitude evangélica nos espaços em que habita, para construir uma sociedade de amor, onde testemunha que o outro é precioso, digno, agradável e belo, para além das aparências físicas ou morais, e que o amor por ele impele a procurar o melhor para a sua vida (cf. papa Francisco, “Fratelli tutti”, n. 94).
A espessura da vida cristã e, portanto, do caminho de santidade do crente reconhece-se desde logo pelo amor que tem para com Deus e para com os irmãos e irmãs, sem exclusão. Neste tempo de pandemia em que, por medo, arriscamo-nos a fechar-nos num círculo egoísta, rechaçando as pessoas, somos chamados a verificar a nossa capacidade relacional que nos faz ser dom para os outros, inclusive em tempos críticos, como Jesus, que deu a vida até à morte de cruz.
Como podemos viver a proximidade neste tempo, usando responsavelmente também os meios de comunicação que nos permitem partilhar com os outros a profundidade da nossa vida? Como estamos a viver o nosso caminho de fé? De que maneira podemos viver a proximidade, ainda que no respeito pelas regras?
Hoje, dado que não se fala facilmente da própria vida de fé, porque muitas vezes foi relegada para uma região intimista, há a urgência de partilhar a busca do rosto de Deus, de comunicar e de acolher o modo de permanecer sempre em relação com os outros, de procurar juntos os recursos extraídos do Evangelho para perdoar, para ser misericordiosos, para exprimir a ternura como amor preveniente e profundo para com os outros, para ser homem e mulher de paz, de justiça, de alegria, de esperança.
Não uma santidade aleatória, portanto, mas uma santidade feita de carne, que se vê ao caminhar, olhando para o exemplo de Jesus, que se incarnou e morreu por nós, para viver em plenitude como filhos de Deus a beleza da vida humana.
[Diana Papa | In SIR]