Oração dos simples, valor inestimável
Em Portugal, mas não só, existem centenas de santuários grandes e pequenos, mais ou menos conhecidos, erguidos para celebrar uma aparição, um santo, um qualquer acontecimento miraculoso. Muitas vezes, nestes lugares, há uma parte – pode ser uma parede, ou uma capela, ou uma sala à parte – destinada aos denominados ex-votos, geralmente objetos ou desenhos ou escritos que falam de uma graça recebida. Muitas vezes aconteceu-me ver outros visitantes, como eu, percorrer apressadamente, frequentemente com um sorrisinho na boca, aqueles espaços. Quase como se fossem retalhos de outros tempos, de um passado que hoje já não existe, quando, pelo contrário, aqueles objetos, aqueles desenhos, aqueles escritos são e permanecem para sempre as testemunhas de uma fé simples, espontânea, sem muitas superestruturas, sempre iguais há séculos.
O mesmo acontece com a chamada oração “vocal”, que para muitos, pessoas simples ou idosas, não é uma recitação à maneira de papagaio de fórmulas antigas, sempre as mesmas e sem entoação, mas oração verdadeira. O papa Francisco voltou a recordá-lo recentemente, advertindo para o facto de que «todos deveríamos ter a humildade de certos idosos que, na igreja, talvez porque a sua audição já não está perfeita, recitam a meia-voz as orações que aprenderam desde crianças, enchendo a nave de murmúrios».
Uma oração que «não perturba o silêncio, mas testemunha a fidelidade ao dever da oração, praticada durante toda a vida, nem nunca cessar. Estes orantes da oração humilde são muitas vezes por os grandes intercessores das paróquias: são os carvalhos que de ano para ano alargam as frondas, para oferecer sombra ao maior número de pessoas».
«Só Deus sabe quando e quanto o seu coração esteve unido àquelas orações recitadas: seguramente também estas pessoas tiveram de enfrentar noites e momentos de vazio. Mas à oração vocal pode sempre ser-se fiel. É como uma âncora, agarrar-se à corda para permanecer fiéis, aconteça o que acontecer. Todos temos a aprender da constância daquele peregrino russo, de que fala uma célebre obra de espiritualidade, que aprendeu a arte da oração repetindo infinitas vezes a mesma invocação: “Jesus, Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de nós, pecadores!”. Só repetia isto.
Se chegaram graças à sua vida, se a oração um dia se tornar ardentíssima ao ponto de sentir a presença do Reino aqui no meio de nós, se o seu olhar se transformar até se tornar como o de uma criança, foi porque insistiu na recitação de uma simples jaculatória cristã. No fim, ela torna-se parte da sua respiração. É bela a história do peregrino russo, é um livro ao alcance das mãos de todos, aconselho-vos a lê-lo, ajudar-vos-á a compreender o que é a oração vocal.
Por isso, não devemos desprezar a oração vocal. “Isso é coisa para as crianças, para os ignorantes, eu estou à procura da oração mental, a meditação, o vazio interior para que venha Deus”… por favor. Não cair na soberba de desprezar a oração vocal, a oração dos simples, aquela que Jesus nos ensinou: Pai nosso, que estais nos céus…”.»
O livro que Bergoglio sugeriu intitula-se “Relatos de um peregrino russo ao seu pai espiritual” (ed. Paulinas), escrito em meados do século XIX por Nemtov, possivelmente um agricultor russo de quem não se sabe nada, ou quase nada. O livro não tem muitas páginas e lê-se facilmente. Vale verdadeiramente a pena lê-lo.