Estrada, lugar de êxodo e encontro, caminho da Igreja
Gostaria de reler o tema bíblico da estrada como lugar da salvação, do encontro com os irmãos e com Deus: aquela situação essencial à Igreja e ao cristão porque comunidade e crente singular estão existencialmente sempre a caminho, como peregrinos. Quando afirmamos a qualidade peregrinante da Igreja, com efeito, não queremos apenas dizer que ela está a caminho rumo ao Reino, mas que ela está nas estradas do mundo, está presente nos itinerários da humanidade, move-se entre os seres humanos entrando em diálogo com aqueles que encontra pela estrada.
Antes de tudo, a estrada é lugar de êxodo. Fazer êxodo é fazer um caminho, sair de uma situação para viajar por estradas desconhecidas, mas percorrendo-as com Deus.
O povo de Israel, no Egito, era escravo e oprimido; a sua condição era marcada por uma “stabilitas” que durava há séculos. Uma estrada sem saída e uma situação imutável. Nascia-se escravo e morria-se escravo, sem conhecer a liberdade e a dignidade humana. Os filhos de Israel eram classe oprimida e assim deviam permanecer.
O êxodo foi um sair desta situação, abandonar uma terra amarga, mas à qual o povo se tinha habituado, por uma terra nova. A fé despertada por Moisés fornecia ao povo uma dupla consciência, uma consciência religiosa e uma consciência de classe: se Deus, o Senhor, é um só, para o buscar, adorar e reconhecê-lo no seu total domínio, é preciso ser-se livre dos poderes que subjugam.
Qualquer que seja a sociedade em que se vive, na medida em que ela sente o efeito da mentalidade mundana, a Igreja, o crente, de uma situação enclausurada e esclerosada, instalada, devem empreender o êxodo e tomar a estrada
Por isso, Moisés pede ao faraó: «Deixa partir o meu povo, para que celebre uma festa no deserto!». Só no deserto, fora da escravidão do ser humano sobre o ser humano, Deus pode ser o verdadeiro Senhor, Ele que não suporta concorrentes no seu ser senhor sobre o ser humano: nem ídolos, nem poderes, nem faraós.
Assim Deus traça uma estrada, convida o povo a colocar-se nela. E Israel abandona as falsas seguranças, submete-se a uma vida dura e austera, renuncia às comodidades pagas a alto preço no Egito, e torna-se um povo “na estrada”, obrigado a caminhar unicamente pela sua fé. No seu mover-se sem morada permanente, Israel vive a sua vocação ao nomadismo e descobre a unicidade do seu Deus. É na estrada que se dá conta de precisar não de um Deus local, que o proteja lugar a lugar, mas de um Deus senhor de toda a Terra.
Só Deus sabe para onde a estrada conduz e conhece o ritmo da marcha. Aos crentes não cabe fazer planos, prever paragens, recuos ou avanços. Deus permanece livre para levar o seu povo para onde quer: é o Deus da estrada. O importante é que o povo permaneça na estrada e não caia na tentação do regresso ao Egito, chorando as panelas de carne e de cebola, nem decida parar e instalar-se. Neste sentido, o facto de a estrada passar pelo deserto é uma garantia: nele não se pode parar durante muito tempo nem se pode voltar atrás.
Israel torna-se assim a parábola viva do crente, da Igreja, da humanidade. É preciso pôr-se a caminho, é preciso fazer um êxodo para encontrar o Senhor. Qualquer que seja a sociedade em que se vive, na medida em que ela sente o efeito da mentalidade mundana, a Igreja, o crente, de uma situação enclausurada e esclerosada, instalada, devem empreender o êxodo e tomar a estrada. Como Abraão, que sai do boom económico de Ur dos Caldeus, como Moisés, que sai do ambiente de poder da família do faraó, como Israel, que abandonou a opressão, como Elias, que se afastou de uma sociedade pagã idólatra.
Não o esqueçamos: há um método para andar pela estrada, se não soubermos como o fazer – seguir Jesus Cristo, que é a estrada. Seguindo-o de maneira radical encontrar-nos-emos na estrada junto a gente da estrada
É na estrada que se faz caminho, e a estrada revelar-se-á rica de encontros. Se o êxodo amedronta, porque conduz por estradas desconhecidas, faz perder as falsas seguranças, as velhas amizades, as proteções a que estávamos habituados, sabemos que a estrada é por excelência o lugar do encontro.
Não é por acaso que é na estrada que Jesus exerce o seu ministério: estranho rabi, no fundo, que não ensina apenas nas sinagogas como os outros profissionais da pregação, mas que percorre as estradas da Galileia, da Judeia, da Samaria. Apresenta-se desde logo como o homem que está na estrada. Com as pessoas da estrada entretece-se um diálogo verdadeiramente profundo, fiel e estável até reconhecer naquelas pessoas a sua verdadeira família. Jesus sabia dar espaço à escuta dos outros, aproximar-se de quem encontrava, convidar os outros a escutá-lo.
Não o esqueçamos: há um método para andar pela estrada, se não soubermos como o fazer – seguir Jesus Cristo, que é a estrada. Seguindo-o de maneira radical encontrar-nos-emos na estrada junto a gente da estrada. Percorrendo as estradas com olhos atentos acontecer-nos-á, talvez, como aos discípulos de Emaús, encontrar peregrinos, comunicar com eles e descobrir depois que neles está o Ressuscitado.
Assim caminhando pela estrada até à casa do Pai.
[Enzo Bianchi | In Il blog di Enzo Bianchi]