Escutar com o ouvido do coração
Pode um texto que remonta há 1500 anos ser prático para viver bem nos dias de hoje? A Regra de S. Bento é um clássico de visão espiritual e atitude humana, um daqueles textos antigos que têm poucas palavras mas muito para dizer. Vivemos num mundo e numa cultura que nos bombardeiam de palavras. Muitas vezes, são tantas as palavras que nos inundam diariamente, que temos pouco tempo, se é que temos algum, para colher o seu significado e impacto. A tradição monástica, desde o início, compreendeu o valor das palavras bem escolhidas e bem ditas, assim como o do silêncio. Num momento de ímpeto ou de reação aos comentários de alguém, quantas vezes nos arrependemos da nossa resposta imediata ou pouco ponderada? Ainda que possamos ter uma linguagem cultivada, muitas vezes temos um sentido menos cultivado daquilo que é melhor não dizer, ou que seria melhor dizer de maneira ponderada e reflexiva.
As palavras iniciais da Regra de S. Bento oferecem uma indicação que exige uma disciplina interior. O texto do Prólogo recita: «Escuta, ó filho, os ensinamentos do mestre e estende-lhes o ouvido do teu coração». Assim como a linguagem se desenvolveu ao longo dos séculos, da mesma maneira aumentou o número de palavras e as distintas tonalidades. Quanto mais palavras bombardeiam a nossa escuta, menos estamos atentos a apreciar atentamente o seu significado, impacto e poder. Em contraste com isto, poucas palavras, bem ditas, podem tocar o coração, erguer o espírito humano, transformar a mente, dar uma direção nas opções de vida e permanecer em nós como um guia para uma frutuosa vida cristã.
Demasiadas vezes as nossas reações nascem de um pensamento inicial. Em vez disso, iniciar com um pensamento e depois refletir na resposta do coração conduz-nos a uma expressão melhor e mais completa daquilo que é melhor
Sabemos distinguir atentamente a diferença entre “ouvir” e “escutar”. Podemos ouvir as palavras que são pronunciadas, e que passam rapidamente, muitas vezes inadvertidas e pouco consideradas. Ao contrário, quando escutamos verdadeiramente aquilo que uma pessoa diz, este ato implica a nossa reflexão sobre o impacto daquilo que é dito, uma atenta consideração ou reflexão sobre o influxo e o significado dessas palavras. Se estamos verdadeiramente à escuta com o ouvido do coração, estas palavras passam do ouvido à mente e ao coração. Frequentemente, quando escutamos honestamente aquilo que é dito, colocamo-nos perguntas: devo refletir mais seriamente nestes pensamentos, colocar em discussão as minhas motivações daquilo que estou a fazer, reconsiderar aquilo que estou a fazer? E, por vezes, esta contemplação tranquiliza-nos sobre os valores que estamos a procurar viver. Este preceito de meditar seriamente é aquele com que S. Bento inicia a sua Regra; este ensinamento inicial serve como moto para a vida monástica, «escutar com o ouvido do coração». Mas não será também um convite para cada um de nós no percurso da sua vida, do vier do dia a dia?
Nas Escrituras, em particular no Antigo Testamento, o coração abraçava o processo e a reflexão da mente e do coração em conjunto. Isto era entendido como um empenho de toda a interioridade de uma pessoa. Demasiadas vezes as nossas reações nascem de um pensamento inicial. Em vez disso, iniciar com um pensamento e depois refletir na resposta do coração conduz-nos a uma expressão melhor e mais completa daquilo que é melhor. «O que significa isto, quais são as implicações daquilo que é dito, porque é que me é pedido para pensar de maneira diferente?». S. Bento poderia pedir-nos para empreender este processo de «escutar com o ouvido do coração» nas nossas decisões, nas nossas relações e nas nossas respostas à variedade de situações e questões que nos são colocadas. Isso faria a diferença a todos os níveis da existência humana: dentro da família, do ambiente de trabalho, entre famílias e amigos, entre os líderes mundiais, entre as nações em guerra, entre os países que procuram soluções pacíficas.
Também na nossa vida diária «escutar com o ouvido do coração» oferece-nos uma promessa de paz e de esperança, enquanto avançamos dia após dia
O papa Francisco apresenta-nos um desafio importante com o seu anúncio do próximo sínodo dos bispos; a atenção estará concentrada na criação de um processo sinodal para a Igreja que se move rumo ao futuro. Um dos elementos-chave, que pode ter um impacto neste processo de envolvimento de toda a Igreja neste compromisso, é a ação de escutar. E S. Bento tem algo de muito útil para oferecer: que este processo inclua uma «escuta com o ouvido do coração». Isto exige uma grande humildade e abertura àquilo que o outro tem a dizer, a oferecer como sugestão, para procurar uma resolução pacífica. Esta pessoa poderá ser um instrumento da vontade de Deus que a nós se manifesta? Um processo sinodal exige uma grande sinceridade e um verdadeiro sentido de escuta profunda, amorosa, aberta e recetiva.
O ensinamento de S. Bento na sua Regra oferece-nos uma maneira profunda de renovar os nossos corações através da nossa maneira de escutar, isto é, com todo o coração. Imaginem-se as bênçãos de paz e de esperança que poderiam ressoar em todo o mundo se o seu ensinamento de nos escutarmos uns aos outros se tornasse realidade. Quer este especial género de escuta aconteça entre nações em luta, partidos políticos em desacordo, líderes religiosos, ou até no interior das famílias, a nossa capacidade de escutar com um profundo respeito uns pelos outros, como filhos de Deus, contém a promessa de paz e bênção para todos. Também na nossa vida diária «escutar com o ouvido do coração» oferece-nos uma promessa de paz e de esperança, enquanto avançamos dia após dia. S. Bento, reza por nós: ajuda-nos a escutar-nos uns aos outros com o ouvido do coração.
[Gregory John Frederick Polan | Abade primaz dos Beneditinos Confederados |In L'Osservatore Romano]