Andar de bicicleta: O que aprendemos e podemos mudar
O novo livro “Em roue libre – Anthropologie sentimentale du vélo” (Em roda livre – Antropologia sentimental da bicicleta), de David Le Breton é um convite à liberdade mental e física.
O termo “antropologia”, no subtítulo, não é um floreado: o autor é antropólogo e sociólogo, já publicado em Portugal, professor na Universidade de Estrasburgo. A sua valorização do andar de bicicleta alimenta-se de uma sabedoria capaz de colher todas as implicações que esse ato comporta.
Logo às primeiras frases do livro, lemos: «Quanto mais o progresso tecnológico avança, mais se reduz a dimensão sensível da experiência». E depois: «O sedentarismo coloca graves problemas de saúde pública. Apesar dos custos, do atulhamento urbano, da poluição e das inumeráveis tragédias que provoca, o automóvel continua a ser a pedra angular da vida diária. (…) Para milhões dos nossos contemporâneos, o automóvel tornou o corpo supérfluo».
A primeira e talvez mais importante coisa que se aprende a propósito do uso da bicicleta é o facto de atrair a atenção para a vastidão e variedade das vantagens e das mudanças que uma única e concreta opção de vida pode trazer à sociedade.
A bicicleta é, obviamente, um instrumento técnico de locomoção, mas as mudanças de perspetiva que provoca servem não só como convite a utilizá-las, como também para refletir mais em geral sobre o lugar-comum segundo o qual não importam as tecnologias em si, mas o modo como as usamos.
Esta ideia coloca a hipótese de uma identidade humana inalterável e infalivelmente livre que nenhum instrumento técnico pode pôr em causa ou influenciar.
Na realidade, toda a tecnologia simples ou complexa modela os nossos comportamentos e o conhecimento que deles temos. Domestica o nosso sistema nervoso, sequestra e dirige os tempos e os modos da nossa sensibilidade e vontade. A posse de uma arma de fogo ou de um automóvel super-rápido ou de um sistema automático de segurança influenciam a nossa mentalidade e sociabilidade.
Entre os muitos livros sobre a bicicleta citados por Le Breton há um intitulado “Nós, ciclistas, salvaremos o mundo”, que é mais uma frase espirituosa, creio, que uma fé. Mas é certo que não mudaremos o mundo se nunca mudarmos algo de concreto, atos, hábitos e consumos na nossa vida de todos os dias.
[A partir de texto de Alfonso Berardinelli | In Avvenire]