Snoopy e a felicidade
Ele é alegre, contente, seguramente egocêntrico, mas pronto a irradiar a sua energia, a sua positividade para o que quer que seja que o rodeie, inclusive – mas apenas em ocasiões únicas como o Natal – para o odiado e ameaçador gato dos vizinhos. Ela, pelo contrário, despeitada, ácida e petulante, é totalmente voltada para si mesma, inclusive quando do seu quiosque de ajuda psiquiátrica prodigaliza presumidos conselhos, unicamente úteis para passar cinco cêntimos para o seu bolso.
Snoopy e Lucy, ou a fantasia e o realismo, a cigarra e a formiga, a imaginação desenfreada e o utilitarismo sarcástico e desconfiado. Snoopy e Lucy estão nos antípodas no mundo de Schulz; é por isso que, quando se encontram, o que acontece com frequência, geram uma descarga de tensão que, no entanto, ilumina ainda mais o carácter dos dois personagens, que, no bem lá no fundo, precisam um do outro e talvez até se queiram bem.
Se é verdade, como escrevia o grande poeta Thomas Stearns Eliot, que o género humano não suporta demasiada realidade, Lucy, por seu lado, não suporta demasiada fantasia, e, neste caso, a excessiva imaginação de Snoopy, em relação ao qual comete o erro típico de quem inveja a imaginação: não compreende que esta faculdade é o melhor caminho para a felicidade, e não para uma alienação impotente e narcisista.
«Às vezes gosto tanto da vida que não o sei exprimir! Sinto que gostaria de abraçar a primeira pessoa que encontro e dançar alegremente com ela, pela estrada»
É verdade que Lucy também imagina: imagina uma história de amor impossível com o geniozinho do piano Schroeder, mas também neste caso a sua fantasia não é desenfreada, não executa um exercício útil de identificação com as coisas a realizar, mas tenta forçar a realidade, percorre uma estrada que é irremediavelmente sem saída. E quando pensa o futuro junto da criança de quem está enamorada, fotografa sempre momentos tão improváveis quanto concretos, que procura orquestrar desde logo como potencial chefe de família. Apesar de ostentar segurança nas palavras, não tem confiança nestes castelos de cartas, de tal maneira que, enquanto fala a Schroeder, lhe vira as costas. Ainda por cima inveja a sua capacidade artística, sente-a como uma rival imbatível, tanto mais invencível quanto mais ela está consciente de nem de longe a poder igualar com qualquer outro recurso ou sentimento.
Lucy está desabituada da imaginação porque não sabe olhar para fora de si. A imaginação, pelo contrário, é generosa, extrovertida e altruísta, não se detém e não se abate, encontra sempre uma possibilidade; ela, ao invés, como todos os realistas estéreis, é incapaz de escapar ao seu eu, de partilhar os desejos, é incapaz sobretudo de ver a pureza e a nobreza dos desejos dos outros. Por isso inveja e destrói com o sarcasmo qualquer anseio, qualquer projeto ideal, qualquer demonstração de alegria que não conhece nem é capaz de compreender. No palco do teatro do Charlie Brown quer Lucy quer Snoopy aspiram à felicidade. O mesmo sucede com todos os outros personagens, mas a procura deles é contínua, obsessiva. Vivem-na de maneira radical e pessoalíssima. A busca da felicidade de Lucy está condenada a uma estéril frustração e vai acabar no beco sem saída da insatisfação de quem, não se dando conta – a não ser, talvez, inconscientemente – dos seus limites, põe-se a acusar o mundo e não tenta sequer esboçar uma mínima estratégia de autocrítica.
Quando aumenta o rendimento, aumentam também as aspirações em relação aos bens que queremos consumir, e isto induz os consumidores a requerer prazeres contínuos e mais intensos para a manter o seu nível de satisfação anterior. Daqui emergem frustrações e insatisfações contínuas que se acompanham inevitavelmente com a inveja dos bens alheios
A busca de Snoopy, pelo contrário, é totalmente outra, precisamente porque não é uma busca nem um projeto, mas uma absoluta adesão ao instinto, numa vitalidade inebriante e contagiosa. Que brilha continuamente em novas roupagens, porque está cabalmente voltada para o exterior, para uma gratuidade absoluta, e porque imita, e na imitação vive a riqueza, a variedade e as cores do mundo. Uma alegria quase incontrolável que Schulz descreve muitíssimo bem, fazendo do seu bigle um dançador perfeito: o focinho para cima, as orelhas ao alto, poucos traços debaixo das patas para encenar uma contínua levitação da terra. E o belo desta dança da felicidade é que Snoopy procura envolver quem quer que esteja junto dele. Afirma-o programaticamente: «Às vezes gosto tanto da vida que não o sei exprimir! Sinto que gostaria de abraçar a primeira pessoa que encontro e dançar alegremente com ela, pela estrada». Infelizmente, a primeira pessoa com que se depara é uma Lucy amuadíssima, em relação à qual Snoopy sente o dever de procurar de imediato uma alternativa. Certamente não à expressão da alegria, mas à pessoa a envolver.
Mais uma vez Schulz oferece-nos aqui um ensinamento preciso, que antecipa em décadas algumas conclusões de filósofos e sobretudo economistas, que, ao estudar a felicidade, procuraram estabelecer variantes mesuráveis ou verificáveis no âmbito social, considerando a felicidade como um bem relacional. Uma pesquisa que se segue à tomada de consciência do fracasso de todas as tentativas de a ligar ao egoísmo da pessoa singular e à satisfação das suas necessidades, a começar pelo dinheiro.
Esta é a tese de Luigino Bruni, um dos mais considerados economistas italianos que se ocupam da «felicidade pública»: quando aumenta o rendimento, aumentam também as aspirações em relação aos bens que queremos consumir, e isto induz os consumidores a requerer prazeres contínuos e mais intensos para a manter o seu nível de satisfação anterior. Daqui emergem frustrações e insatisfações contínuas que se acompanham inevitavelmente com a inveja dos bens alheios. É preciso então elaborar, mas sobretudo viver, uma ideia diferente de felicidade, baseada em algo de mais profundo e duradouro, mas que parta de um contacto com o outro, um prosseguimento daquele abraço que Snoopy quer oferecer a todo o mundo, precisamente como o «beijo» do “Hino à Alegria” de Schiller que o coro canta com acentuações quase místicas na “Nona Sinfonia” de Beethoven.
Uma felicidade que se baseia na companhia, na partilha, em dar algo aos outros. Reiteramos: não é uma utopia, mas um conceito sufragado por dados empíricos e de investigações de campo.
[Saverio Simonelli | In L'Osservatore Romano]