Sínodo: tentativa de balanço
1 O Papa Francisco ficará na História por muitos bons motivos, mas estou convicto de que a razão principal tem a ver com a tentativa de avançar para uma "Igreja sinodal", uma Igreja na qual todos caminham juntos. Percebe-se a revolução que pode constituir, quando se lê este texto do Papa Pio X, que até foi canonizado, na encíclica Vehementer Nos: "A Igreja é por natureza uma sociedade desigual. É uma sociedade composta por uma dupla ordem de pessoas: os pastores e o rebanho, os que têm um posto nos diferentes graus da hierarquia e a multidão (plebs, plebe) dos fiéis. As categorias são de tal modo diferentes umas das outras que só na hierarquia residem a autoridade e o direito necessários para mover e dirigir os membros para o fim da sociedade, enquanto a multidão não tem outro dever senão o de aceitar ser governada e cumprir com submissão as ordens dos seus pastores."
Tem razão Consuelo Vélez: "Realmente as mulheres, somos um tema não-resolvido na Igreja e não parece que o clero e também parte do laicado, incluindo mulheres, estejam dispostos a dar um passo em frente."
A partir daí percebe-se - contra a vontade de Jesus, que tinha declarado expressamente aos discípulos: "Vós sois todos irmãos" e que a autoridade só se justifica enquanto serviço - os abusos da hierarquia. E, na consideração desses abusos, que fizeram até com que muitos tenham abandonado a Igreja, não é preciso recuar muito no tempo. De facto, já em pleno Sínodo, no passado dia 25 de Outubro, Francisco, depois de declarar que gosta de pensar na Igreja como "o povo fiel de Deus, santo e pecador, o povo fiel, o santo povo fiel de Deus", fez à 18.ª Congregação Geral, um discurso demolidor contra o clericalismo. Assim: "Quando os ministros exageram no seu serviço e maltratam o povo de Deus, desfiguram o rosto da Igreja com atitudes machistas e ditatoriais. É doloroso encontrar em algumas secretarias paroquiais a "tabela de preços" dos serviços da Igreja (sacramentos, funerais...), como num supermercado. Ou a Igreja é o povo fiel de Deus a caminho, santo e pecador, ou acaba por ser uma empresa de diversos serviços. E quando os agentes da pastoral seguem esta segunda via, a Igreja torna-se o supermercado da salvação e os sacerdotes meros empregados de uma multinacional. Este é o grande fracasso a que nos conduz o clericalismo. E isto com muita tristeza e escândalo (basta ir às alfaiatarias eclesiásticas de Roma para ver o escândalo de jovens sacerdotes - aqui, permito-me perguntar: só sacerdotes? E bispos e cardeais, não? - a experimentarem batinas e chapéus e barretes ou alvas e roquetes com rendas. O clericalismo é um flagelo, é uma chaga, é uma forma de mundanidade que suja e danifica o rosto da Igreja, escraviza o santo povo fiel de Deus. E o povo de Deus, o santo povo fiel de Deus, avança com paciência e humildade, suportando o desperdício, o abuso, a marginalização do clericalismo institucionalizado. E com que naturalidade se fala dos "príncipes da Igreja" - "purpurados", acrescento eu -, ou das promoções episcopais como progresso na carreira! Os horrores do mundo, a mundanidade que maltrata o santo povo fiel de Deus!".
2 A simples realização do Sínodo dos Bispos na sua primeira sessão durante todo o mês de Outubro constitui um acontecimento histórico, pois, embora continue a chamar-se Sínodo dos Bispos, teve a presença de leigos, homens e mulheres, com direito a voz e voto.
No final, surgiu uma informação de Síntese relativamente breve, sem que se possa tirar grandes conclusões, pois essa informação serve sobretudo para reflectir agora, durante um ano, sobre convergências e propostas, tendo em atenção a segunda sessão da Assembleia em Outubro de 2024, que abrirá para um Documento Final conclusivo do Papa. Ficam aí alguns indicações mais significativas da Síntese.
Apesar das reticências de alguns sectores, reconhece que se tratou de uma experiência vivida com alegria, pois pelo baptismo formamos "um só corpo", portanto, uma Igreja sinodal em missão: todos discípulos, todos missionários, conscientes da diversidade, da multiculturalidade, com sensibilidades e necessidades diferentes e prevenindo contra o perigo do colonialismo e racismo.
Decisiva é a unidade dos cristãos e, por isso, a necessidade do diálogo ecuménico. Aparece mesmo o desejo de "convocar um sínodo ecuménico sobre a missão comum no mundo contemporâneo".
Deve-se escutar os jovens, as vítimas de abusos sexuais e também espirituais, económicos, de poder e de consciência por parte de membros do clero, e atender o grito das guerras, dos pobres, dos excluídos...
Que se continue a reflectir sobre questões controversas, como "a identidade de género e a orientação sexual, o final da vida, os casamentos difíceis, as situações matrimoniais difíceis, questões éticas relacionadas com a Inteligência Artificial". Não é referida a bênção de casamentos homossexuais.
Pede-se "uma reflexão mais profunda" sobre o celibato dos padres, a sua "obrigação disciplinar", de modo especial "onde os contextos eclesiais e culturais o tornam mais difícil".
Inaceitável é a posição quanto às mulheres. Critica-se "o clericalismo e o machismo", está clara a necessidade de dar-lhes maior participação em cargos cimeiros e inclusivamente da sua presença na formação nos seminários. Mas continua a divisão quanto ao diaconado, a questão mais polémica nas votações, e sobre a ordenação presbiteral nem uma palavra. Tem razão Consuelo Vélez: "Realmente as mulheres, somos um tema não-resolvido na Igreja e não parece que o clero e também parte do laicado, incluindo mulheres, estejam dispostos a dar um passo em frente."