Conto: O contador de histórias

Conto 15 abril 2020  •  Tempo de Leitura: 19

Era uma vez um homem que era sempre seguido por uma multidão. Pessoas de todas as regiões juntavam-se repetidamente para o ouvir pois a suas palavras tocavam o coração e tinham o dom de as fazer pensar e, sobretudo, de provocar mudanças nas suas vidas. Apesar de conversar com todo o tipo de pessoas e de fazer coisas extraordinárias que causavam a admiração de todos, aquilo que mais comovia crianças, jovens e adultos eram as suas histórias.

 

Sempre que lhe pediam uma história ou ele decidia contar um conto, ele sentava-se num tronco de uma árvore deitada ou num rochedo de forma a ficar mais alto e permitir que toda a gente o escutasse melhor. Depois de perceber que havia silêncio, procurava olhar a todos nos olhos, sorria-lhes com estima e ternura e tirava invariavelmente com muita delicadeza um caderninho de um dos bolsos da sua túnica e contava alguma das suas histórias cheias de bonitas mensagens e profundas inquietações existenciais.

 

Um dia contou a história de um homem que tinha dois filhos. O mais novo decidira pedir ao pai a parte da herança a que tinha direito pois queria sair de casa e ir conhecer o mundo. A muito custo e com enorme tristeza, o pai acedeu, respeitando a vontade do filho. A verdade é que ele rapidamente desperdiçou todo o dinheiro, vivendo dissolutamente e precisou de arranjar trabalho para conseguir sobreviver, apascentando porcos.

 

As dificuldades que encontrou foram tantas que começou a sentir saudades do pai e do irmão e a lamentar ter saído de casa e decidiu regressar. Tinha que reconhecer que pecara contra o céu e contra o pai. Apesar de ir com a intenção de pedir que o pai o tratasse como um simples empregado, pois não se sentia digno de voltar a ser chamado de filho, ele recebeu-o de braços abertos, vestiu-o com as melhores roupas, mandou matar um bezerro gordo e fez um grande banquete pois considerava que ele era como se tivesse morrido e agora tivesse revivido, como se se tivesse perdido e agora tivesse sido encontrado.

 

Quem não gostou muito foi o irmão mais velho já que achava injusto que, apesar de sempre ter sido um bom filho, o pai nunca lhe tivesse feito uma festa. Então, o pai disse-lhe que ele sempre estivera consigo e que todas as suas coisas eram suas também. E concluiu que Deus era misericordioso como o pai do filho pródigo. 

 

Noutra ocasião, leu a história de um homem rico que precisava de fazer uma viagem e entregara os seus bens ao cuidado de três dos seus empregados. Tendo em conta a maneira de ser e as capacidades de cada um, a um deu cinco talentos de ouro, a outro entregou dois talentos e ao terceiro deu um talento. Os dois primeiros servos investiram o dinheiro e conseguiram duplicar o que tinham recebido e o terceiro cavou um buraco no chão e enterrou o ouro.

 

Quando o homem regressou, chamou os seus servos para que prestassem contas. O primeiro e o segundo duplicaram os seus talentos e, como ficou muito satisfeito e sensibilizado, recompensou-os. O terceiro servo desenterrou o seu talento de ouro e entregou-o de volta ao patrão, desculpando-se dizendo que não fez nada porque tinha medo da sua severidade.

 

O homem ficou desiludido com ele pois não seria assim tão difícil colocar o dinheiro no banco e conseguir alguns juros. Tinha desperdiçado uma grande oportunidade e, por isso, o homem mandou tirar o seu talento e dar aos outros empregados, castigando-o pela sua incompetência e negligência. E disse que assim é Deus para connosco já que nos oferece muitas capacidades e qualidades para rentabilizar ao serviço dos outros na construção de um mundo melhor.

 

Noutro dia, narrou a história de um pastor que tinha um rebanho de 100 ovelhas. Um dia, uma delas desapareceu. A preocupação, desespero e angústia eram tantas que decidiu deixar as noventa e nove no deserto e foi em busca da que se havia perdido. A verdade é que quando a encontrou, a sua felicidade era tanta que a colocou aos ombros e foi para casa. Quando chegou, decidiu convidar todos os seus amigos e vizinhos para uma grande festa, de forma a que todos se regozijassem consigo por ter achado a ovelha que se havia extraviado.

 

A verdade é que o pastor se alegrou nesse momento mais pela sua ovelha recuperada do que pelas outras noventa e nove que não se tinham perdido. Concluiu que assim haverá maior júbilo no céu por um pecador que se arrependa do que por noventa e nove justos, que não necessitam de arrependimento.

 

Noutra altura, leu a história de um camponês que fora fazer uma sementeira. A verdade é que, como fazia muito vento, muitas foram as sementes que não ficaram no terreno de cultivo. Deu-se conta que algumas sementes caíram à beira do caminho e as aves comeram-nas. Outras houve que caíram em zonas pedregosas e sem muita terra e, nas semanas seguintes, apercebeu-se que quando nasceram, como a terra não era profunda e não tinham raízes, rapidamente secaram e ficaram queimadas pelo calor do sol.

 

Viu também que outras sementes caíram entre espinhos e foram sufocadas com o seu crescimento, não dando nenhum fruto. Mas, para satisfação e orgulho do semeador, outras caíram na boa terra e, brotando e crescendo, deram abundante fruto. Disse, então que assim acontece com a Palavra de Deus que é semeada em nós, já que as pessoas reagem de formas bem diversas à mensagem ouvida.

 

Noutro momento, contou a história de dez raparigas que saíram para se encontrarem com um noivo e levaram as suas candeias. Algumas delas foram prudentes e levaram óleo em vasilhas junto às suas candeias, mas outras foram insensatas e não o fizeram. Como o noivo demorou a chegar, as raparigas ficaram com sono e adormeceram.

 

Quando ele chegou, elas acordaram e prepararam as suas candeias. Foi então que as raparigas insensatas pediram óleo às prudentes, pois as suas candeias estavam a apagar-se. Argumentando que se o fizessem talvez viessem a não ter o suficiente para as duas, aconselharam-nas a ir comprar. Assim fizeram, mas como, entretanto, chegou o noivo, apenas as raparigas prudentes puderam entrar para o banquete nupcial.

 

Quando as raparigas insensatas chegaram, bateram à porta e pediram para entrar, mas o noivo disse que não as conhecia e não as deixou entrar. Ele concluiu que assim é o Reino dos Céus e, por isso, devemos estar atentos e em vigilância pois não sabemos o dia nem a hora.

 

Noutro dia, leu a história de dois homens que entraram no templo para rezar. Um era fariseu e agradecia de pé a Deus por não ser como os demais homens, que eram ladrões, injustos, adúlteros, nem sequer como o publicano que ali estava também. Depois, gabou-se por jejuar duas vezes por semana e por dar o dízimo de tudo quanto ganhava.

 

Por sua vez, o publicano, que estava bem longe dos primeiros lugares, não ousava levantar os olhos e, batendo no peito, apenas pedia a misericórdia de Deus, reconhecendo-se um pobre pecador. Então ele disse que a verdade é que o publicano saíra justificado para sua casa pela sua humildade e o fariseu não, por causa da arrogância que demonstrou, pois aqueles que se exaltam serão humilhados e aqueles que são humildes, serão elogiados.

 

Noutra hora, contou a história de um lavrador que fizera uma sementeira de trigo no seu campo e usara boas sementes. No entanto, durante a noite, um inimigo foi ao terreno e semeou joio no meio do trigo. Umas semanas depois, quando a erva cresceu e deu fruto, para surpresa de todos, apareceu também o joio. Imediatamente o lavrador se deu conta da maldade realizada por alguém que não o apreciava e o queria prejudicar.  

 

Questionado pelos seus empregados se queria que fossem arrancar o joio, ele disse que não, para que não sucedesse que tirando o joio, se arrancasse também o trigo. Ordenou que deixassem crescer o trigo e o joio até a ceifa e nessa altura juntassem o joio e o atassem em feixes para que fosse queimado e o trigo fosse recolhido no celeiro. Referiu então que a boa semente de trigo representa os filhos do Reino, enquanto que o joio representa os filhos do maligno, já que o bem coexiste com o mal.

 

Noutra ocasião narrou a história de uma pobre mulher que se dera conta que perdera uma das suas dez dracmas. Ficou nervosa e angustiada pois passava necessidades e aquele dinheiro fazia-muita falta. Fez de tudo para a encontrar já que não podia dar-se ao luxo de dispensar aquela quantia. Diligentemente, procurou a moeda por toda a casa com a candeia não mão, varrendo o soalho de todas as divisões e vasculhando todos os cantos.

 

Após muito tempo de buscas, encontrou finalmente a dracma e a alegria era tanta que convidou todas as suas amigas e vizinhas para que viessem a sua casa, regozijando-se com elas com a recuperação do dinheiro achado. Disse, então que, na verdade, o mesmo acontece no Reino dos Céus, na forma como Deus busca o pecador perdido e se alegra com seu arrependimento. 

 

Noutro dia, leu a história de um rei que, ao fazer a contabilidade com os seus servos, se dera conta de que um deles lhe devia dez mil talentos. Como ele não tinha como pagar a sua dívida, o rei mandou que ele, a sua mulher e seus filhos fossem vendidos com os seus bens, para que a dívida fosse paga. Aflito, o servo prostrou-se e implorou clemência e generosidade ao rei, prometendo-lhe que saldaria a sua conta em breve. O rei compadeceu-se do homem, perdoou-lhe a dívida e mandou soltá-lo.

 

No entanto, logo que saiu, encontrou um companheiro que lhe devia cem dinheiros e, agarrando-o violentamente, exigiu que lhe pagasse. Então, ele prostrou-se aos seus pés, pedindo generosidade e prometendo o pagamento com a maior brevidade possível. Contudo, não acedeu e foi metê-lo na prisão, até que pagasse a dívida.

 

Como a notícia se espalhou rapidamente pela região, o rei chamou-o e disse-lhe que fora um servo malvado pois, após o seu perdão, deveria também ele ter tido misericórdia para com o colega. Assim, indignado, o rei entregou-o aos verdugos até que pagasse tudo o que devia. Disse, de seguida, que, de igual forma, fará também Deus se não perdoarmos do fundo do coração àqueles que nos ofendem.

 

Noutra altura, contou a história de um homem que encontrara um valioso tesouro escondido num campo. Então, cheio de alegria, decidiu vender tudo o que possuía e comprou aquele terreno. Não comprou o campo por o ter considerado interessante, mas porque o tesouro descoberto valia muito mais do que tudo o que ele tinha. Assim é o Reino dos Céus. Quem o encontra, dá tudo para o alcançar.

 

Também leu que um outro homem pegara num grão de mostarda e plantara-o no seu campo. A verdade é que, apesar de ser a mais pequena de todas as sementes, depois de crescer, é a maior das hortaliças, tornando-se numa planta grande onde até as aves do céu vão pousar e abrigar-se nos seus ramos. Assim, é o Reino dos Céus, que brota, pequenino, no coração e cresce até alcançar todo o mundo.

 

De seguida, contou a história de uma mulher que tomou e colocou fermento em três medidas de farinha, até que ficasse toda levedada e referiu que assim é o Reino dos Céus, que começa modestamente com pequenos passos, mas que se desenvolve com a força de Deus.

 

Num outro dia, leu a história de um homem que tinha uma vinha e saíra de madrugada para arranjar trabalhadores. Contratou alguns, combinando pagar-lhes um denário por dia e eles foram trabalhar para a propriedade. Mais tarde, o proprietário viu outras pessoas desocupadas na praça e desafiou-as para que fossem também para a sua quinta, prometendo-lhes pagar o valor justo. Eles aceitaram.

 

O homem voltou a ir procurar mais trabalhadores mais três vezes ao longo do dia e contratou-os, garantindo-lhes também recompensá-los devidamente. No final da jornada de trabalho, o dono da vinha pediu ao seu administrador que pagasse o salário aos trabalhadores, começando pelos últimos e acabando pelos primeiros. Os que foram contratados em último lugar receberam um denário cada um. E da mesma forma os anteriores.

 

Quando chegou a vez daqueles que foram os primeiros a ser contratados, para sua surpresa, receberam também um denário cada um e murmuraram contra o proprietário, argumentando que não era justo que todos recebessem o mesmo dinheiro. Então, o dono da vinha respondeu que lhes dera o valor que tinha sido acordado e se decidira dar aos últimos o mesmo que aos primeiros, era opção sua e ele podia fazer o que lhe apetecesse com as suas coisas. Concluiu, então, que no Reino dos Céus, os últimos serão primeiros e os primeiros serão últimos.

 

Noutra hora, contou a história de um homem que tinha uma figueira na sua vinha e decidira ir buscar alguns dos seus frutos. Como não encontrou nenhum disse então ao seu viticultor que há três anos que não recolhia nada daquela árvore. Então, mandou corta-la para que não estivesse a ocupar a terra inutilmente.

 

No entanto, o viticultor sugeriu que ainda não fosse cortada e que ele mesmo iria tentar recuperá-la mais uma vez, cavando-a em derredor e deitando-lhe estrume. Se a figueira desse fruto, muito bem. Se não houvesse figos, seria cortada. Concluiu que Deus é paciente e misericordioso. No entanto, chegará o tempo em que o dia do juízo acontecerá.

 

Numa outra ocasião, contou a história de um homem que, durante uma viagem, caíra nas mãos de assaltantes. Tiraram-lhe as roupas, espancaram-no e foram embora, deixando-o quase sem vida. Posteriormente, passou pela mesma estrada um sacerdote que, ao vê-lo, decidiu passar para o outro lado, ignorando-o completamente. Lamentavelmente, da mesma forma procedeu um levita.

 

No entanto, um samaritano ao chegar ao local onde se encontrava o homem, compadeceu-se imediatamente dele. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas e tratou delas, derramando vinho e óleo. Depois, após tê-lo colocado no dorso do seu animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. 

 

No dia seguinte, como tinha de prosseguir viagem, deu dois denários ao hospedeiro e pediu-lhe que cuidasse do homem por si, prometendo pagar-lhe todas as despesas que tivesse quando voltasse. E concluiu que este fora ‘o próximo’ do homem que caíra nas mãos dos salteadores porque tivera misericórdia dele, convidando a todos a fazer o mesmo.

 

Noutra altura, leu a história de um homem que edificara prudentemente a sua casa sobre a rocha. A verdade é que quando vieram as chuvas e as correntes e sopraram os ventos fortes contra a casa, ela resistiu com facilidade. Disse que algo semelhante se passava com quem ouve a Palavra de Deus e a põe em prática. No entanto, havia um outro homem que construiu a sua casa sobre a areia. Quando vieram as chuvadas, as torrentes e as fortes ventanias, ela caiu irremediavelmente e grande foi a sua ruína. Disse, então, que assim se passava com aqueles que ouvem a Palavra de Deus e não a observavam.

 

O homem não se cansava de escrever e ler as suas histórias no seu caderninho e era o único bem material que possuía e levara consigo até à cruz onde morreu. Na manhã do domingo da sua ressurreição, as mulheres encontraram o túmulo vazio e apenas viram o lençol que o envolvera e o caderninho das suas histórias que levaram cheias de alegria aos seus discípulos.

 

As suas parábolas foram reescritas por quatro homens, a quem deram o nome de evangelistas, para que jamais se perdessem e todo o mundo pudesse conhecer as mensagens do homem de Nazaré que se chamava Jesus.

tags: Conto, Parábolas

Paulo Costa

Conto

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail