Conto: Jesus e as mulheres
Se havia coisa que Jesus gostava a valer quando era criança era de ouvir contos e, por isso, estava sempre a pedir mais um e mais outro ao pai e à mãe. Fosse durante as lides domésticas de Maria ou durante os trabalhos na carpintaria de José, fosse ao colo dos dois ao serão ou ao deitar, Jesus escutava com muita atenção as histórias e, depois, fazia muitas perguntas e ficava sempre a pensar nas lições de vida das narrativas.
Apesar da maioria das histórias serem daquelas que toda a gente contava aos mais pequenos e que corriam de geração em geração, os pais de Jesus tinham que ser muito mais imaginativos pois ele queria sempre mais uma e tinham que estar sempre a inventar. No entanto, houve duas histórias que não faziam parte da ficção, mas tinham acontecido mesmo e ele nunca mais esqueceu.
Uma ocorrera com a mãe e tratava-se de um anjo que lhe aparecera e, após a saudar como “cheia de graça” e de lhe dizer que Deus estava com ela, disse-lhe que não temesse pois havia sido escolhida para conceber no seu seio e dar à luz um menino que se chamaria Jesus e que era o próprio Filho do Altíssimo. Apesar de achar tudo aquilo muito estranho e não perceber muito bem o que se estava a passar, Maria aceitou o convite divino e disse que sim ao desafio extraordinário de ser a mãe humana, terrena e histórica do Filho de Deus omnipotente.
A outra tivera lugar um tempo depois e relacionava-se com a estadia lá longe, no meio das montanhas, de Maria na casa da sua prima Isabel que estava grávida, durante uns três meses. Ao chegar, mal Isabel viu e ouviu a prima, abraçou-a e sentiu o seu bebé saltar de alegria no seu seio e aquilo impressionara-a tanto que lhe disse que era “bendita entre todas as mulheres e que bendito era também o fruto do seu ventre”. Sentia ser uma honra admirável e indescritível estar ali a mãe do seu Senhor e que a prima era feliz e especial por ter acreditado e confiado na Palavra de Deus.
Aquelas duas histórias reais, que envolviam a mãe e a tia, marcaram indelevelmente Jesus na forma como admirava a figura feminina e contrastava com a pouca consideração que as mulheres mereciam na sociedade do seu tempo. Incomodava muitíssimo a Jesus que as senhoras fossem desvalorizadas, tratadas muitas vezes como mercadoria de troca pelos pais e criadas unicamente para conseguir um bom casamento e cuidar das tarefas domésticas.
Jesus não percebia e questionava os pais por que é que apenas o nascimento de um rapaz era motivo de alegria para as famílias e os próprios homens rezavam agradecendo a Deus a sua masculinidade. Jesus não conseguia entender a pouca consideração e a fragilidade social das mulheres, nem aceitar que tivessem poucos direitos e fossem discriminadas, como se fossem de segunda classe. Não acreditava que Deus desejasse ou concordasse com isso, já que homem e mulher tinham a mesma dignidade por terem sido ambos criados por amor à sua imagem e semelhança e chamados à salvação, à felicidade e à realização pessoal de igual forma.
A verdade é que Jesus levou sempre no seu coração aquelas duas histórias que a mãe contara e, como não conseguia pactuar com a desconsideração e menosprezo das senhoras diante de uma sociedade machista, disse para si mesmo que tinha que fazer alguma coisa para tentar mudar a situação. E assim foi.
Teria Jesus uns trinta anos quando, a caminho da Galileia, passou por uma cidade da Samaria e decidiu descansar um pouco junto a um poço. Como, entretanto, chegou uma mulher samaritana para tirar água, ele pediu-lhe o favor de lhe dar um pouco da mesma, pois tinha sede. Ela achou estranho que um judeu falasse com uma mulher em público, pois isso era mal visto pela sociedade, além de que samaritanos e judeus tinham sérias divergências e não se entendiam lá muito bem.
Mas, de facto, ofereceu-lhe água e puseram-se a conversar sobre vários assuntos e, ainda, sobre algumas temáticas religiosas, coisa que era reservada apenas aos homens nas sinagogas. Quando os discípulos de Jesus chegaram, ficaram admirados por ele estar a falar com uma mulher, mas não quiseram questioná-lo sobre isso pois sabiam que ele era diferente.
Entretanto, a samaritana foi para a cidade e disse às pessoas que fossem ver o homem que tinha estado a falar consigo e que sabia tudo sobre a sua vida, sugerindo que talvez fosse o Messias prometido pelos profetas e que o povo tanto esperava. Então, muitos homens foram ter com Jesus para o ouvirem e a verdade é que acreditaram que ele era realmente o salvador.Numa outra altura, estava Jesus sentado a falar numa praça junto ao templo com algumas pessoas e inesperadamente chegou um grupo de escribas e fariseus que arrastavam consigo uma mulher que fora apanhada a cometer adultério. Disseram-lhe que, segundo a Lei de Moisés, ela deveria ser apedrejada e, como queriam arranjar motivos para o incriminar junto das autoridades, queriam saber o que pensava daquela situação.
Apesar do reboliço instalado, Jesus manteve a serenidade e rabiscava no chão. No entanto, como insistiam em interrogá-lo sobre a sua opinião sobre o caso, ele ergueu-se e, preferindo não responder diretamente, disse que, se houvesse ali alguém que nunca tivesse pecado na vida, lhe atirasse a primeira pedra. Na realidade, quando acontecia adultério, havia também o envolvimento da figura masculina e não era justo que a Lei culpasse apenas as mulheres.
Embaraçados com a insinuação subtil de Jesus, os homens todos foram saindo do local um a um, sem fazerem mal algum à mulher. Como Jesus viu que toda a gente se tinha ido embora sem a condenarem ao apedrejamento, disse que também ele não a condenaria e encorajou-a a mudar de vida e a não voltar a pecar.
Noutra ocasião, Jesus aceitou o convite de duas senhoras que eram irmãs para entrar em sua casa. Uma delas chamava-se Maria e estava a aproveitar a presença de Jesus para escutá-lo com a maior atenção e ternura, enquanto a outra, de nome Marta, andava atarefadíssima a arrumar a casa e a preparar alguma coisa para comerem.
A Marta, vendo que só ela é que trabalhava, enquanto a irmã apenas ouvia o hóspede, pediu a Jesus que dissesse à Maria que a fosse ajudar. Contudo, ele respondeu-lhe, dando-lhe conta que ela parecia bastante inquieta e perturbada com muitas coisas, quando, na verdade, uma só era necessária naquele momento: estarem as duas com ele. Por isso, Jesus acrescentou, que Maria tinha escolhido a coisa mais importante.
Noutra altura, Lázaro, que era irmão de Marta e Maria, estava muito doente e elas foram chamar Jesus. No entanto, como tinha solicitações de tanta gente, só conseguiu ir lá uns dias depois, tendo ele morrido, entretanto. Muitas pessoas consolavam as irmãs e Jesus quis confortá-las também. Marta foi ter consigo e disse-lhe que, se ele tivesse vindo antes, Lázaro não teria morrido. Apesar disso, acreditava que tudo quanto ele pedisse ao Pai, Ele lho concederia.
Então, Jesus disse-lhe que Lázaro iria ressuscitar e, depois de ver Maria a chorar compulsivamente, comoveu-se profundamente e foi ao túmulo onde o irmão estava sepultado. Após ter feito uma oração olhando para o céu, deu-lhe novamente a vida, para surpresa e espanto de toda a multidão.
Uns tempos mais tarde, Marta e Maria e o seu irmão Lázaro ofereceram uma ceia a Jesus. Enquanto Lázaro estava à mesa com Jesus e Marta servia à mesa, Maria decidiu ungir os pés do amigo hóspede com um perfume muito caro, enxugando-os posteriormente com os seus próprios cabelos. Aquilo perturbou várias pessoas e um dos discípulos disse que aquilo que ela deveria ter feito era ter dado o dinheiro do perfume aos pobres. Contudo, Jesus ordenou que a deixassem sossegada e referiu que, infelizmente, no mundo haveria sempre pobres, mas a ele não o teriam ali para sempre. Na verdade, se Maria quis fazer aquele gesto de ternura e carinho, ninguém tinha o direito de julgar ou criticar.
Algo semelhante aconteceu noutra ocasião quando Jesus estava à mesa em casa de um leproso chamado Simão. Uma mulher entrou e derramou sobre a cabeça de Jesus um perfume que trazia num frasco de alabastro. Mais uma vez, as pessoas comentavam aquilo que consideravam um desperdício e, Jesus repreendeu-as, argumentando da mesma maneira que fizera com Maria.
Ao longo de três anos de vida pública, Jesus ia de terra em terra, pregando e anunciando a Boa Nova do Reino de Deus e, além dos doze amigos que escolheu como discípulos, acompanhavam-no várias mulheres que tinham sido curadas de enfermidades e espíritos malignos, como Maria Madalena, Joana, Susana e outras que os serviam com os seus bens.
Um dia, uma mulher que sofria de uma doença há muito tempo e já correra muitos médicos e gastara muito dinheiro sem conseguir melhoras, decidiu tocar nas vestes de Jesus por entre a confusão da multidão, pois acreditava que tocar-lhe era suficiente para ficar curada. Efetivamente, Jesus sentiu sair de si uma energia especial de cura e a sua maleita foi imediatamente resolvida, em virtude da sua grande fé.
Noutro dia, Jesus comoveu-se com uma mulher viúva que levava a sepultar o seu filho único e deu-lhe a vida novamente, bastando para isso, tocar-lhe no caixão e dizer-lhe que se levantasse e a verdade é que se sentou e começou logo a falar.
Além das várias mulheres que foram curadas de diversas doenças físicas e psíquicas, algumas acompanhavam Jesus e os apóstolos no anúncio do Reino e desempenhavam a função da diaconia. Nos discursos que Jesus fazia às multidões que o seguiam, gostava de dar exemplos onde sublinhava a dignidade e relevância da mulher, como quando um dia, a propósito do divórcio, disse que o homem que repudiasse a sua mulher e casasse com outra, cometia adultério, e o mesmo se passava como aquele que casasse com a mulher repudiada.
Numa outra ocasião, comparou a felicidade que Deus sentia quando um pecador se arrependia com uma festa que uma mulher fazia com as amigas e vizinhas depois de ter encontrado uma das dez dracmas que possuía e perdera em casa. Noutra altura, deu o exemplo de uma viúva que oferecera no templo duas moedinhas, enquanto muitas outras pessoas com muitas posses davam muito dinheiro. Na verdade, enquanto estas ofereciam o que lhes sobejava, a pobre viúva dera muito mais pois, na sua indigência, oferecera tudo quanto tinha para viver.
Apesar de nunca ter feito mal a ninguém e ter levado uma vida dedicada aos outros em palavras e obras, condenaram Jesus à morte numa cruz. Apesar de tanta gente ter estado consigo em vida, nos últimos instantes da sua existência terrena, não havia mais ninguém no local da crucifixão, a não ser a sua mãe, a mulher de Cléofas, a Maria de Magdala e João, o seu discípulo mais jovem e por quem nutria um carinho especial. Então, Jesus disse à sua mãe que considerasse João como seu filho e que ele a considerasse como sua mãe.
Ao longe, muitas mulheres, que tinham seguido Jesus desde a Galileia e o tinham servido tantas vezes, olhavam comovidas e desoladas e choravam pesarosas e inconsoláveis. Entre elas, estavam Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.
Após o último suspiro, Jesus foi sepultado e, na madrugada do primeiro dia da semana, Maria de Magdala e outra senhora foram ao túmulo para perfumar o corpo de Jesus e encontraram a pedra removida, não vendo ninguém lá dentro. Então, um anjo apareceu e disse-lhes que não tivessem medo e que se procuravam a Jesus crucificado, a verdade é que ele tinha ressuscitado. Depois, pediu-lhes que fossem comunicar o que acontecera a Jesus aos discípulos. Era importante que todo o mundo soubesse que a Vida tinha vencido a morte, que o Amor tinha derrotado a maldade e que a graça divina era mais forte que o pecado humano.
As duas, cheias de alegria, correram a dar a boa nova aos doze e, pelo caminho, foram surpreendidas pelo próprio Jesus ressuscitado e logo se prostraram diante dele. Depois, pediu-lhes que dissessem aos discípulos que partissem para a Galileia pois lá também eles o veriam.
Nas primeiras semanas após a morte e ressurreição de Jesus, aqueles que o tinham seguido viviam com receio de também eles serem perseguidos e mortos, mas eram por si animados e confortados. Depois de Jesus se ter elevado aos céus à vista deles, eles reuniam-se muitas vezes, partilhando tantas recordações e sentimentos, e entregavam-se à oração, na companhia de algumas mulheres, entre as quais estava a sua própria mãe.
No dia do Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar e surpreendentemente apareceram umas línguas de fogo e todos ficaram cheios do Espírito Santo que o próprio Jesus prometera. Então, os apóstolos, animados por Maria que tinha dado à luz o Filho de Deus e o acompanhara na sua missão até à morte, perderam o medo e foram por todo o mundo testemunhar tudo quanto tinham vivido, visto, ouvido e sentido. Ali se formou, assim, a primeira comunidade cristã e Maria continuou a sua missão como Mãe da Igreja fundada pelo seu Filho.