Conto: Um atleta radical
Os amigos chamavam-lhe carinhosamente ‘Jota’ desde que viera viver com os pais para Nazaré e a criançada depressa começou a admirá-lo pela sua bondade, esperteza, energia e força. O rapaz, além de revelar uma serenidade e perspicácia fora do vulgar, evidenciava também uma vitalidade e robustez ao nível de alguns predestinados.
O pequenote sempre considerara os pais os seus grandes heróis e dizia aos amigos que tinha em casa o super-homem e a supermulher, pois ambos aliavam a ternura, bom-senso e paciência, próprias de pessoas de fé, com a inteligência, dinamismo e determinação, dignas de seres humanos acima da média.
O Jota achava incrível como é que a mãe era capaz de estar num momento calmamente a brincar com ele e a rezar no seu quarto e, logo a seguir, fazer as refeições, limpar a casa e lavar a roupa com uma genica impressionante. O mesmo se passava com o pai, já que conseguia passar um dia inteiro a trabalhar na carpintaria em silêncio e com toda a delicadeza e, ao mesmo tempo, demonstrar uma jovialidade e uma pujança fora de série.
Os pais do Jota viam-no crescer na graça de Deus em estatura, força e sabedoria e dava-lhes, por isso, muitos motivos de orgulho. Como queriam que ele tivesse uma vida normal e saudável, incentivavam-no a brincar e a conviver com as outras crianças, até porque isso era muito bom para socializar e gastar energias.
Um dia, o Jota chegou a casa todo transpirado e a choramingar com umas arranhadelas nos joelhos e braços. Tinha estado a correr com os amigos pelas vielas da cidade para ver quem chegava em primeiro lugar ao riacho e tropeçara numa pedra a poucos metros da meta. Então, os pais do rapaz trataram das feridas e animaram-no, argumentando que as feridas eram uma espécie de medalhas dos bons atletas, que o importante não era ganhar, mas brincar, participar e divertir-se e que o exercício físico fazia muito bem ao corpo e à alma.
Enquanto a mãe preparava o almoço, o pai aproveitou para lhe contar que os romanos tinham muitos jogos que serviam de espetáculo ou circo para as pessoas e que iam desde as corridas de quadrigas, que eram carroças conduzidas por quatro cavalos lado a lado, até às competições de gladiadores e ao boxe.
O Jota estava impressionado com aquilo e mais espantado ficou quando o progenitor lhe contou que houvera um sumo sacerdote em Jerusalém, que se chamava Jasão, que mandara construir um estádio de estilo grego onde se praticava luta, boxe e natação, entre outras modalidades.
Disse-lhe que a iniciativa dele fora mal recebida pelas pessoas, sobretudo as mais conservadoras, pois aquilo fora visto como uma maneira de influenciar a população a adotar o modo de vida da Grécia. Depois, referiu que, mais recentemente, o rei Herodes procurara reintroduzir o atletismo na vida judia com a construção de um novo estádio e com a criação de jogos periódicos para honrar o Imperador César Augusto.
Então, a mãe do Jota, apercebendo-se que ele estava impressionado e, ao mesmo tempo, algo confuso com aquilo tudo, explicou que os judeus não eram contra o exercício físico em si mesmo, mas o tipo de desporto de origem greco-romana que chegara a Israel não se adequava muito aos costumes do povo hebreu e as pessoas não queriam propriamente jogar os jogos do Império que os oprimia e subjugava.
Passados uns dias, a mãe do Jota, ofereceu-lhe uma bola de trapos, feita com tecidos amarrados e costurados, para que ele brincasse com os amigos. Era costume a miudagem usar uma bola, lançando-a alternadamente contra as paredes das casas ou dos muros sem a deixarem cair ao chão ou fazendo-a rolar em direção a uma pedra, árvore ou porta para ver quem acertava no alvo. A verdade é que o Jota gostou muito do presente da mãe, divertia-se imenso a jogar e tornou-se um dos melhores da rua.
Passados alguns anos, o pai do Jota ofereceu-lhe uma tábua de madeira minuciosamente moldada e esculpida por si e que tinha umas rodinhas de ferro por baixo. Ele achou aquela coisa muito engraçada e divertida e, com um pé encima e outro no chão a dar balanço, conseguia atingir velocidades imprevisíveis, apesar de algumas quedas. A fama daquela espécie de meio de transporte desportivo espalhou-se rapidamente pela cidade e muitos outros rapazes conseguiram construir também um e organizavam provas em muitas ruas e praças.
Noutra ocasião, o Jota foi com o pai à pesca e, depois de olhar para os barcos que por aquelas bandas navegavam, lembrou-se que poderiam fazer uma prancha de madeira para andar em cima das águas do mar. O pai gostou muito da ideia e não foi difícil levar a cabo aquele projeto inovador. Não demorou muito para que muitos outros jovens andassem também ao sabor das ondas do mar com as suas pranchas e fizessem concursos para ver quem se aguentava mais tempo em pé encima delas.
Outra atividade desportiva que o Jota gostava muito de fazer sozinho e também com os seus amigos era a natação. Ficava muito tranquilo e descontraído a nadar nas águas dos rios, lagos e mares da região. Achava aquele exercício físico o mais completo de todos quantos se podiam realizar e sentia-se verdadeiramente como um peixe na água. A sua técnica e resistência eram tão boas que, quando fazia umas corridinhas com os amigos, deixava-os quase sempre para trás.
Quando o Jota se tornou adulto, deixou de ter grande tempo para fazer exercício físico, apesar de nunca se esquecer da máxima latina que o pai lhe dissera tantas vezes: ‘mens sana in corpore sano’. A verdade é que também não precisava de muita ginástica pois fazia a pé dezenas de quilómetros todos os dias e nem tinha sítio nem tempo para reclinar a cabeça.
A vontade de ir anunciar o Evangelho com os seus amigos a todas as povoações da Galileia, Samaria e Judeia, levava-o a caminhar dia e noite quase sem repouso. Para elogiar a pujança física e mental do povo hebreu, lembrava muitas vezes aos seus amigos a longa caminhada de quarenta anos do povo de Israel pelo deserto do Egito até à Terra Prometida ou a escalada de Moisés ao Monte Sinai para receber as Tábuas da Lei.
O Jota falava de um Deus que era Pai de todos os povos e dizia que todas as pessoas do mundo pertenciam à mesma equipa porque tinham sido criadas à imagem e semelhança do Altíssimo. Falava-lhes de uma caminhada na história e no tempo como uma prova de obstáculos, com adversários difíceis e complicados, rumo a uma meta que era o Reino dos Céus e com um prémio final que era a salvação eterna.
Costumava dizer-lhes que o único caminho para vencer na vida era o amor a Deus e aos irmãos e encorajava as pessoas a perseverar na oração, no altruísmo e na fidelidade ao Pai. Afirmava que a disciplina no treino, o autocontrolo e o respeito pelas regras eram tão importantes para conseguir medalhas como para desenvolver a vida espiritual.
Um dia, escalou o monte Tabor com três amigos e ficaram todos muitos cansados, a ponto de alguns sugerirem que ficassem ali numas tendas e não descessem. Então, o Jota disse-lhes que no estádio todos os atletas corriam e davam o seu melhor, mas apenas um vencia e ganhava o prémio mais importante. Então, de igual forma, todos deviam preparar-se bem para correr outras corridas com o objetivo de alcançar a vitória.
E continuou dizendo que os atletas impunham a si mesmos toda a espécie de privações para ganhar uma coroa corruptível, mas os filhos de Deus lutavam para ganhar uma coroa incorruptível. Assim, todos deviam empregar tempo e energia para manter-se espiritualmente em forma já que o exercício físico tinha uma importância limitada, ao contrário do exercício espiritual que tinha valor ilimitado, pois tinha a promessa da vida presente e da vida futura.
Se havia exercícios físicos e desportos radicais, mais radical ainda era esforçar-se e lutar, com todo o coração e com todas as forças, pela perfeição e pela santidade. E terminou dizendo-lhes que combatessem o bom combate da fé e conquistassem a eternidade para a qual todos tinham sido convidados.
Uns meses mais tarde, o Jota acompanhou vigorosamente durante vários quilómetros dois dos seus amigos a caminho de Emaús. Só o reconheceram ao final do dia e assim como apareceu de repente do nada, também foi embora apressada e misteriosamente.
Então, os amigos do Jota, apesar de cansados, foram a correr a Jerusalém para dizer a toda a gente que o Jota vencera a morte e a maldade. Todos podiam agora participar do seu prémio, pois o Amor era o único e verdadeiro caminho para a vitória da Vida.