Conto: «As malas de viagem»

Conto 15 agosto 2022  •  Tempo de Leitura: 5

Era uma vez um homem muito rico que decidiu dar a volta ao mundo. Como trabalhara muito durante toda a sua vida e tinha ganhado muito dinheiro, achou que chegara o momento de descansar, viajar e conhecer outros povos e culturas. Preparou três malas enormes e pesadas com tudo quanto achou indispensável e partiu.  

 

Na sua primeira paragem, chamou-lhe a atenção uma senhora de idade avançada que levava uma pequena maleta na mão. Metendo conversa, perguntou-lhe como conseguia viajar com tão pouca bagagem e ela disse-lhe:

 

- Após uma vida longa e dura, aprendi que devemos viajar com pouca coisa e sem as mágoas e deceções do passado e que se tivermos que carregar uma mala na longa jornada da vida, basta que caiba o amor, pois é o único tesouro que vale a pena conservar e que não pesa nada. Na verdade, aquilo que quero levar comigo para todo o lado é o que cabe no coração e isso é tudo aquilo que sou e tenho.

 

O homem achou aquilo algo lamechas, mas agradeceu as palavras da senhora e continuou a sua viagem para outras bandas. Foi então que viu um pescador a arranjar as redes da pesca junto ao seu barco e, como parecia sereno e feliz, apesar da pobreza que evidenciava, perguntou-lhe se não sonhava pegar numa mala e, como ele viajar por outras latitudes. Ele respondeu:

 

- Gosto muito de ser pescador e já viajei imenso por esse mar fora e isso é a minha maior riqueza. Parece simples, mas é difícil fazer a mala, ir embora e virar a página. Vou seguindo o meu rumo, sem destino certo. Levo na minha mala as memórias do que fui, do que fiz e das pessoas que gostaram de mim e que eu amei. É bom estar sempre com a mala pronta, para ir ou ficar, onde o coração desejar. Tenho uma mala cheia de sonhos e para onde eu vou, eles vão comigo. Eles não pesam e levam-me rumo às próximas paragens. As coisas essenciais da vida só se veem e percebem com o coração.

 

O homem ficou sem palavras, sem perceber como é que era possível viver quase sem dinheiro e sem comodidades. Noutro momento da sua viagem, viu uma rapariga a ler um livro à sombra de uma árvore com uma malinha bem pequena ao seu lado. Ficou novamente intrigado com o desprendimento que alguém evidenciava e questionando-a sobre aquele estilo de vida, ela respondeu:

 

- Cheguei à conclusão de que estava na hora de colocar apenas o fundamental dentro de uma mala e partir à procura do sentido da vida e de uma existência de valor e com valores. Com o tempo, achei essencial ficar mais leve e colocar na mala apenas aquilo que é verdadeiramente importante e que o dinheiro não compra, já que as coisas que têm verdadeiro valor não são coisas. Viver é o desafio da leveza, da simplicidade, da descoberta e da surpresa. É muito bom viajar com uma mala leve e pequena e a vontade de amar, fazer o bem e ser útil ao mundo. Isto é que é ter uma vida saudável.

 

O homem já não sabia o que pensar ou dizer e partiu para a última etapa da sua viagem. Ao percorrer as ruas estreitas de uma cidade, viu um velhinho à janela da sua casa e chamou-lhe a atenção que lá dentro havia apenas uma cama, uma cadeira e uma mala. Então, questionando-o se não tinha mobília, ele logo lhe perguntou onde estava a sua. Como lhe respondeu que era turista e estava de passagem por aquelas bandas, o velhinho retorquiu que também ele se sentia de passagem por esta vida e disse:

 

- Somos todos viajantes neste planeta e depois de o conhecer e de nos conhecermos, regressaremos a casa, levando na nossa mala apenas os sentimentos que partilharmos. Mais do que fazermos viagens, são as viagens que nos fazem a nós e o nosso destino não é bem um lugar, mas olharmos as coisas e as pessoas com afeto. Podemos viajar pelo mundo inteiro à procura da amizade e do amor, mas se não tivermos uma mente sã e um corpo são, nunca seremos verdadeiramente felizes nem saudáveis.

 

Então, o homem sensibilizado com tudo quanto descobrira pelo mundo e, sobretudo, na sua viagem interior, regressou a casa sem as malas que levara e decidiu mudar de vida, dedicando-se totalmente à família, aos amigos e aos mais pobres. 

Paulo Costa

Conto

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