Os jovens são uma parte da Igreja que falta

Jornada Mundial da Juventude 29 abril 2018  •  Tempo de Leitura: 9

Era o dia 8 de dezembro de 1965, a data de encerramento do Concílio Vaticano II: na rádio ouvi as mensagens dos padres conciliares à humanidade e fiquei impressionado pela endereçada aos jovens. Senti-a dirigida também a mim, que tinha 22 anos e vivi aqueles dias com esperança e entusiasmo pelo futuro da Igreja. Essa mensagem cheia de confiança realçava como a juventude tem «a capacidade de se alegrar por aquilo que começa, de doar-se gratuitamente, de renovar-se e recomeçar para novas conquistas». Não só eram reconhecidas a força e a beleza dos jovens, mas a própria Igreja assumia uma nova atitude no seu estar na história e entre os homens e mulheres de nosso tempo.

 

Essa mensagem conheceu receção? Creio que é necessário distinguir dois tempos sucessivos de receção e duas categorias de destinatários. A começar por aqueles que eram jovens ao tempo do Concílio. Parece-me que grande parte dos católicos daquela geração recebeu efetivamente o mandato que lhe foi confiado pelos padres conciliares e se sentiu investida de uma responsabilidade. E também colheu as suas responsabilidades enquanto jovens para mudar de rota, operar uma "atualização" e uma conversão. E reformar a própria estrutura de discípulos do Senhor.

 

Mas depois há a receção da mensagem conciliar ao longo dos anos e na mutação dos tempos. E aí nós, jovens de então, talvez, tenhamos a responsabilidade principal pela qualidade e eficácia da transmissão daquela mensagem de esperança. Devemos admitir que, a mais de 50 anos de distância, a vida da Igreja regista em relação a isso um certo fracasso. Nas últimas décadas tem havido uma atenção à denominada "pastoral juvenil" nunca tão acentuada na história. Infelizmente, esse esforço não foi suficiente, também porque se continuou a pensar numa relação exterior entre a Igreja de um lado e os jovens por outro. Não basta escutar os jovens e defini-los como o «futuro da Igreja» ou as «sentinelas do futuro». É preciso considerá-los e ouvi-los não como uma categoria teológica ou como uma entidade externa, mas como uma componente da Igreja de hoje, atores e protagonistas desde já. É preciso pensá-los no "nós" da Igreja. E estar também atentos quando, na linguagem comum, se usam locuções como «a Igreja e os jovens», «a Igreja fala aos jovens». Quando muito, «os jovens são uma peça que falta na Igreja», como diz o P. Armando Matteo.

 

O documento preparatório para o sínodo sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional [Vaticano, 3 a 28 de outubro de 2018] chama os jovens a «serem protagonistas» e «capazes de criar novas oportunidades», indicando assim a toda a Igreja caminhos de evangelização e novos estilos de vida. Só uma escuta recíproca, um debate, um diálogo entre todos as componentes do povo de Deus pode desencadear um processo de "inclusão" das novas gerações na Igreja. Este é o desafio do próximo Sínodo, não por acaso preparado, pela vontade de Francisco, por encontros de jovens em condições de tomar a palavra e sentirem-se participantes dessa "conversão" que o papa pede a toda a Igreja. Este escutá-los hoje, no seu presente, é a condição indispensável para passar de uma pastoral "para os jovens" a uma pastoral "com os jovens".
 

Como Francisco gosta de repetir, trata-se de «iniciar processos», não de fazer conquistas nem de «fazer regressar» os jovens à Igreja. Ou de medir o sucesso no número de respostas obtidas. Passou o tempo de chamar os jovens para se reunirem e esperar que sejam eles a vir: é preciso sair, ir onde eles estão, onde moram, combatendo toda a tentação de reaproximação unilateral e massificada. Os jovens têm sede de encontros pessoais, diálogos face a face, sobretudo num contexto social dominado pelo virtual. Eles pedem para ser "reconhecidos", cada um na sua própria individualidade, cada um ao longo do seu próprio caminho de procura de sentido e de plenitude de vida. O encontro pessoal é hoje é decisivo para a aventura dos jovens, que sentem distantes pais, professores e educadores.

 

Todos constatamos uma dificuldade no encontro humano com o outro, mas os jovens sentem urgentemente essa necessidade, também para não serem tentados pela fuga de si mesmos. O "complexo de Telémaco", identificado por Massimo Recalcati como chave para interpretar a condição juvenil, deve ser um alerta sobre a necessidade de acompanhar os jovens não de forma paternalista, mas caminhando com eles, com a sabedoria da vida já vivida, sem impor, mas simplesmente propondo, graças ao discernimento que nasce de os escutar. É por isso que nesta forma de pastoral, além da cultura do encontro deve também emergir a da gratuidade. Recordando que «a Igreja não cresce por proselitismo mas por atração» ("Evangelium gaudium" 14), é preciso viver cada atitude de evangelização sob o signo da gratuidade, sem a ânsia de resultados mensuráveis ​​em termos de aumento do número de jovens envolvidos, das vocações suscitadas ou dos serviços assumidos.

 

O encontro que deve ser promovido é o humaníssimo, no qual seja gratuitamente possível entrar em relação com Jesus através da fé e do testemunho do evangelizador. Não, portanto, o encontro com uma doutrina, muito menos com uma grande ideia ou com uma moral, mas com uma realidade viva que intrigue, que seja portadora de sentido e promessa de vida plena. A gratuidade é um dos valores mais sentidos e vividos pelos jovens: se ela não aparecer, os jovens desconfiam. Encontro, gratuidade, caminhar juntos permanecem urgências absolutas num novo paradigma de evangelização na sociedade atual.

 

Mas o que é que os jovens procuram? Apesar de uma situação de incerteza, a nível económico, social, cultural familiar, os jovens procuram uma vida sensata, que eu gosto de definir como uma vida boa, bela e feliz. Esta procura, muitas vezes confusa, parece às vezes paralisada por medos e inibições, mas está presente nos seus corações. É verdade que a maioria dos jovens não vive a necessidade de Deus, mas na sua busca de uma vida sensata, uma existência digna e realizada, são inerentes muitas possibilidades de descobrir como a fé cristã, a pessoa de Jesus e o seu Evangelho não estão em contradição com esse desejo, mas são uma ajuda e uma promessa de plenitude.

 

A minha experiência de escuta, encontro e caminho com muitos jovens convence-me, cada vez mais, que quando se aproximam para conhecer Jesus ficam fascinados e tocados. A vida de Jesus como vida boa, na qual Ele «fez o bem», isto é, escolheu o amor, a proximidade, o relacionamento que nunca exclui, o cuidado do outro e especialmente dos necessitados, é vida não só exemplar, mas capaz de fascinar e revelar a possibilidade de uma "bondade" que se quer inspiradora para a própria vida. Mas há também uma atração pela vida bela vivida por Jesus: o nunca estar isolado, o viver em comunidade, numa rede de afetos, o viver a amizade, a sua relação com a natureza...  permanecem muito eloquentes. Por fim, há um grande interesse pela sua vida beata, não no sentido de ter sido isenta de dificuldades, crises e contradições, mas feliz porque Jesus tinha uma razão pela qual valia a pena gastar e dar vida, até à morte: esta é a sua alegria, a sua felicidade.

 

[©Enzo Bianchi ]

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