Jovens e fé: Escutar mais e julgar menos
«Penso que é possível ter uma relação com Deus prescindindo da Igreja (…), por isso não creio que seja necessário ir forçosamente à igreja todos os domingos.» A voz desta jovem, entrevistada no âmbito de um inquérito sobre jovens e fé realizado em Itália, exprime o sentimento profundo de muitos dos seus coetâneos, inclusive entre aqueles mais “próximos” e participantes nas várias experiências eclesiais. Jovens que se mostram “alérgicos” a qualquer forma estruturada e “pré-confecionada” da fé, e todavia sedentos de respostas verdadeiras face às perguntas que contam: porquê a dor e a morte? Qual é o sentido da minha existência? Existe um Deus?
Os medos que os habitam são os de sempre: medo de permanecerem sós na vida e sem afeto. Limpando o verniz que muita literatura sobre a condição juvenil lhes imprime (dos “nativos digitais” aos “niilistas ativos”), é impróprio falar de uma autêntica “mutação antropológica” no caso dos “millenials” [nascidos a partir da décadas de 80] (e o mesmo se espera para a geração “z” [nascida a partir da década de 90 até 2010]). Talvez se trate mais simplesmente de os escutar em profundidade e de iniciar com eles novos percursos para interpretar juntos as interrogações e os medos verdadeiros da existência humana. (…)
A impressão geral do inquérito, refere uma coordenadora, é que «o discurso especificamente religioso enfraqueceu, enquanto que as perguntas existenciais e a necessidade de espiritualidade se reforçaram, numa situação em que as respostas se rarefizeram ou foi refutada a tradição religiosa».
Mas quais são os traços emergentes dessa necessidade de espiritualidade? Que corrente seguem os jovens, como aves migratórias, para viajarem de um mundo religioso que na sua opinião é demasiado estrito, rumo a novas regiões inexploradas do espírito? Em primeiro lugar, há uma grande diversidade de tempos e de modos na sua experiência. A espiritualidade dos jovens é multiforme, não codificada, não “contra” a religião, mas “pós” religião. Uma geração que procura uma espiritualidade muito “personalizada”, cuja característica principal é favorecer a relação consigo próprio e a própria interioridade.
Defronte de uma decisão, precisam de tempo para se confiarem, mas isso não significa que mais cedo ou mais tarde o venham a fazer. A diferença com a tradição religiosa cristã é marcada por uma espécie de “barreira” em relação a um modo de apresentar Deus demasiado “enjaulado”, mas não se fecham às narrativas das testemunhas do invisível. A possibilidade de uma forma de relação com um Deus pessoal é tendencialmente colocada no âmbito das “opiniões pessoais em contexto religioso”, mas quando descobrem que o nome de Deus não é o medo, mas o amor, as coisas mudam.
O documento de trabalho do próximo Sínodo dos Bispos, que de 3 a 28 de outubro aborda, no Vaticano, o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, usa o termo "variedade" para expressar os diversos percursos e reconhece que os jovens estão «abertos à espiritualidade, mesmo que o sagrado esteja muitas vezes separado da vida quotidiana» (n.29). É esta a separação que a Igreja é chamada a suturar, não colocando um remendo sobre o rasgão, mas com «a roupa nova» (cf. Lucas 5, 36) da empatia, da escuta e da proximidade.
Em segundo lugar, a espiritualidade dos jovens exprime-se através de canais que são preferencialmente desestruturados e ligados à sua própria biografia. Estão como peixes na água no ambiente digital e a desconstrução das linguagens é o seu alfabeto. Imagens, perfis, citações, símbolos: a demanda de espiritualidade está dentro do grande caldeirão multimédia, mas de forma discreta e encoberta, nunca exibida, porque segue a corrente oposta do imperativo da partilha a todo custo.
Há sobretudo a ideia de que a experiência espiritual deve ser, antes de tudo, um percurso pessoal e ligado à vida, uma experiência que passe pelo “crivo do ego”, mas sem permanecer encalhado. A ciosa defesa da própria subjetividade não é vivida como fechamento à possibilidade de um encontro, mas condição para a sua autenticidade.
Em terceiro lugar, a espiritualidade dos jovens está à procura de figuras significativas, “guias” que estejam ao lado mas que não se imponham. Quantas vezes ouvi dizer, no diálogo pessoal com os universitários: «Caro padre, são propostas interessantes, mas não me perguntam nada», restituindo-me claramente a impressão de uma Igreja que aos jovens tem sempre de “propor” ou pedir alguma coisa. Nem que fosse apenas responder a um questionário. É preciso reconstruir uma relação baseada na proximidade e na gratuidade da escuta, dedicando mais tempo ao encontro, até mesmo aos mais fortuitos. Não procuram figuras heróicas, o importante é que não sejam julgadoras.
O desafio que parece delinear-se para a Igreja consiste em tornar novamente fascinante o encontro com o Deus de Jesus Cristo, Ele que é «mais interior» do que a própria interioridade. O Deus de Santo Agostinho surge como o mais próximo da sensibilidade dos “millennials”, zelosos da própria unicidade pessoal, não “sem fé”, mas sim “sem religião”, e em todo o caso contra toda a massificação e espírito de bando. No documento de preparação para o Sínodo lê-se que «em diferentes contextos, os jovens católicos pedem propostas de oração e momentos sacramentais que possam compreender a sua vida quotidiana, mas é preciso reconhecer que nem sempre os pastores são capazes de sintonizar-se com as especificidades geracionais dessas expetativas» (n. 30).
Se a Igreja conseguir apresentar-se aos jovens com a roupa nova da misericórdia, talvez também a pergunta sobre a espiritualidade encontre novos canais de expressão e volte a ganhar valor na bolsa dos jovens o Evangelho do Reino. Mas isto exige tempo e confiança. Chiara Giaccardi escreveu: «Não se pode pedir a alguém para ter fé se não se lhe dá confiança, porque o movimento é o mesmo: fé, confiança [fidúcia] e fidelidade vêm de “fides”, corda. A fé não é um conjunto de conteúdos. É um ligame (de amor, de filiação). Só “in cordata” podemos caminhar com coragem, porque se alguém cai, os outros têm-no». O Espírito está talvez a traçar novos caminhos não para os “fracos de coração”, e os jovens mais sensíveis são os primeiros a sabê-los reconhecer. É tempo de lhes dar confiança.
[Stefano Didonè | In Avvenire]