«Espiritual sim, religioso não»: Tendência continua a crescer
Atualmente são numerosos aqueles que afirmam ter interesses “espirituais”, mas não são se declaram “religiosos”, ou seja, ligados a uma religião, e desejar viver a sua espiritualidade privadamente, sem compromissos com qualquer instituição.
O fenómeno está espalhado em particular entre os jovens. A religião não tem quase nenhum influxo na sua vida. Na sua escala dos valores, a religião é considerada um assunto pessoal, e não ocupa sequer o primeiro lugar.
No primeiro lugar colocam os problemas “seculares”, como o bem-estar, a família, o tempo livre, etc. E mesmo aqueles que estão em busca, já não se dirigem à Igreja, mas preferem encaminhar-se para aquilo que é chamado “o mercado das religiões”, com particular atenção às do mundo oriental asiático.
O alemão Detlef Pollack, sociólogo das religiões, observa que o fenómeno não compreende a maioria das pessoas, mas está em expansão contínua. Tudo isto constitui um grande desafio para a Igreja.
«Espiritual sim, religioso não»: é a resposta à pergunta de fundo que regressa continuamente na vida de todos os dias. Em particular os adolescentes são os mais relutantes em comprometerem-se nas coisas respeitantes à religião e na pertença confessional.
Uma sondagem [na Alemanha] do ano passado referente ao ensino religioso e ético, dava os seguintes resultados: 52% acredita em Deus, mas só 22% se declara religioso, enquanto que quase o dobro se define simplesmente «crente».
De acordo com o sociólogo, o facto de as pessoas se definirem “espirituais”, e já não “religiosas”, não é um fenómeno de massa. Pollack evoca vários estudos segundo os quais entre 6 e 13% dos indivíduos na Alemanha diz ser só espiritual mas não religioso. Trata-se de uma minoria, mas que ganha consenso sobretudo entre os jovens.
Os motivos, continua o especialista, dependem dos muitos matizes do conceito de “religião”: a maior parte pensa no cristianismo e nas grandes (ainda) Igrejas. O ir à igreja e os dogmas estão aqui estreitamente ligados à fé em Deus.
«A distinção entre “espiritual” e “religioso” exprime a tentativa de colher formas de religiosidade que não têm uma conotação eclesial», assinala. Com efeito, as normas respeitantes à fé ditadas do alto gozam de boa reputação só num número cada vez menor de pessoas. A pessoa quer sentir-se sobretudo livre e realizar escolhas individuais e pessoais. Trata-se de uma tendência percetível a múltiplos níveis.
A expressão chave que neste contexto é muitas vezes mencionada é a de “mercado”, ou “mosaico das religiões”. De facto, sobretudo as religiões do Extremo Oriente, como o budismo ou as formas de meditação ou de espiritualidade de países longínquos, encontram no Ocidente um grande interesse. O “mercado das religiões” torna-se mais variado. Isto, todavia, observa Pollack, não deveria ocultar o facto de que «o protagonista principal no mercado das religiões é constituído ainda pelas Igrejas».
Crentes conscientes de si
A atitude de autoconsciência diante das religiões não é um fenómeno novo. Já nos inquéritos dos anos 70 se notava uma alta percentagem de inquiridos que se definiam católicos, mas com a cláusula «à minha maneira».
É evidente uma mudança de perspetiva em relação à religião: os crentes de hoje consideram-na sobretudo uma questão pessoal – é a pessoa a colocar-se no centro do interesse religioso; isto, naturalmente cria uma tensão com os organismos como as Igrejas, que se consideram possuidoras de importantes mensagens, e pedem a docilidade do seu “rebanho”.
A raiz desta visão pessoal da fé remonta, de acordo com o perito, à Idade Média e ao tempo de Reforma. Os buscadores religiosos e os místicos da medievalidade tardia dedicavam-se, individualmente, à procura de Deus no exterior dos percursos tradicionais.
Lutero, sobretudo, coloca a relação individual com Deus no centro da sua teologia. O individualismo receberá depois forte impulso com o pietismo, que separou a piedade pessoal dos dogmas e da metafísica, e com o iluminismo, que colocou no centro a decisão pessoal em relação ao estado e à religião.
Na sequência da industrialização e do concomitante aumento do bem-estar social, da educação e da certeza do Direito, a principal preocupação das pessoas já não se coloca diretamente na sua sobrevivência.
As exigências pessoais tornam-se cada vez mais afirmadas relativamente ao estado e à opinião pública. No seguimento desta forte focalização sobre o eu, emerge o desejo da autenticidade.
As pessoas já não se querem submeter, mas permanecer autênticas, e isto reflete-se também na religião.
Um mercado variado de religiões
Por estes motivos, muitos voltam-se com interesse para o “mercado das religiões”. As fronteiras entre religiões, técnicas espirituais e práticas de bem-estar são eliminadas. Cada pessoa pode também procurar escolher o melhor para si, fazer opções personalizadas; o ioga, por exemplo, é uma perspetiva religioso-espiritual holística, mas em muitos casos concentra-se só sobre elementos desportivos e relaxantes.
A visão capitalista também tem um papel: muitos setores do esoterismo ou da espiritualidade prometem a descoberta de fontes ocultas ou potencialidades por expressar pelo eu, seja do ponto de vista profissional, seja privado. Segundo Pollack, também isto «não é estranho à religião». No fim de contas, trata-se sempre de um meio para reforçar o eu e os recursos neles contidos.
Estas tendências têm conotações muito diferentes nas pessoas que são religiosamente interessadas. Os esotéricos convictos representam uma exceção. A necessidade de espiritualidade é, todavia, muito sentida, e as Igrejas procuram responder-lhe, indagando nas fontes espirituais do cristianismo, e oferecendo percursos espirituais. O objetivo é atrair as pessoas que se distanciaram das formas tradicionais da fé.
Uma espada de dois gumes
Esta estratégia é, pelo menos em parte, frutuosa: com efeito, a espiritualidade, sobretudo na Igreja católica, tem um papel importante. Um estudo encomendado pela arquidiocese alemã de Colónia, o ano passado, revelou que os componentes espirituais podem ter um «grande peso» no que respeita à força de vinculação à Igreja.
Pollack considera que, no processo de individualização e de desaparecimento das fronteiras religiosas, a secularização tem um papel importante. Com as instituições religiosas permanece apenas uma relação muito frágil, com laços relutantes. Isto acontece não só nas Igrejas, mas também nos partidos e no estado, assim como nos próprios grupos esotéricos, cujo núcleo duro é frequentemente muito pequeno.
Em relação às Igrejas, a maior parte dos seus membros é distante. Apreciam, contudo, os valores religiosos para a educação dos filhos, mas para o resto mostram pouco interesse por Deus e pela vida após a morte. São mais importantes os âmbitos seculares: uma família que funcione, um trabalho gratificante, e a realização de si no tempo livre.
A religião nos vários âmbitos da vida é só um aspeto entre os outros, e muitas vezes não ocupa sequer, entre estes, o primeiro lugar. A vida secular oferece um número tão grande de possibilidades, que a atenção é desviada dos problemas religiosos. Para os mais jovens, até a política é mais importante do que a religião.
As pessoas que se definem “espirituais”, mas não “religiosas”, são incapazes de se opor à tendência geral da secularização. Afirmam menos do que os outros que se sentem «uma só coisa com o divino». Raramente vão à igreja. Espiritualidade significa por isso sobretudo que a religiosidade se desvanece e se torna vaga. Esta forma de religiosidade, salienta Pollack, tem pouco influxo sobre estilos de vida pessoal, sobre a educação dos filhos e sobre as opções eleitorais políticas.
Para as Igrejas, esta situação complexa constitui um duplo desafio: estar próxima com novas propostas que suscitem o interesse inclusive entre aqueles que estão à procura, mas que até agora permanecem longe da Igreja. Mas depois devem convencê-los com os conteúdos cristãos, e vinculá-los a si de maneira duradoura. De outro modo, a inclusão na Igreja não será mais do que um breve interlúdio.
[Christoph Paul Hartmann | In Settimana News]