Não é Justo!

Cartas a uma amiga 21 outubro 2023  •  Tempo de Leitura: 2

Que quem já é pecador

sofra tormentos, enfim!

Mas as crianças, Senhor,

porque lhes dais tanta dor?!...

 

 

Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,

uma funda turbação

entra em mim, fica em mim presa.

Cai neve na Natureza

- e cai no meu coração.

 

Augusto César Ferreira Gil

Foi há mais de 100 anos que Augusto Gil, poeta do Porto, escreveu este poema que todos conhecemos e que revela a tristeza que se instalou no coração do autor perante as misérias humanas. O poeta dirige ao Senhor uma prece inconformada, um PORQUÊ, uma dúvida, uma revolta pelas crianças mas em geral pelos que não são pecadores.

 

Hoje parece que pouco mudou, continuamos ver, pela vidraça da televisão, histórias de profunda injustiça que assolam pobres, ricos, novos e velhos. Ao contrário do poeta, não me atrevo a desejar mal algum aos pecadores, sob pena de também levar com alguma contrariedade. O que é certo é que, muitas vezes, achamos saber o que é justo e que não é e quem merece ou não algo, como se justiça fosse uma bitola fácil de respeitar.

 

Lamento muito que não tenhamos progredido ao ponto da abolição total da pobreza material, da justiça na distribuição dos recursos, no acesso à escola e à dignidade humana.

 

Não é justo que famílias sejam separadas pela guerra, crianças separadas dos pais e idosos abandonados pelos filhos.

Não é justo a violência e a humilhação a que tantos são sujeitos.

Não é justo termos de fugir de um local para tentar sermos felizes como não é justo termos de ficar num sítio porque não temos liberdade.

 

Não. Não é justo! E enquanto não houver justiça, Senhor, haverá sempre uma infinita tristeza, uma funda turbação porque cai neve na natureza e no meu coração.

 

E tu amiga, com que injustiças lida o teu coração?

Raquel Rodrigues

Cronista "Cartas a uma amiga"

Raquel Rodrigues nasceu no último ano da década 70 do século passado. Cresceu em graça e em alguma sabedoria, sendo licenciada em Gestão, frequenta o mestrado em Santidade: está no bom caminho!

Aproveita cada oportunidade para refletir sobre os sentimentos que as relações humanas despertam e que, talvez, sejam comuns a muitas pessoas. A sua escrita é fruto da vontade de partilhar os seus estados de alma com a “amiga” que pode bem ser qualquer pessoa que leia com disposição cada uma das suas cartas.

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