Ao José Maria
Esta semana nasceu o José Maria. Nasceu sem pensar que nasceria, mas já cá canta, de olhos fechados, como experiente fadista, e apurado instinto de sobrevivência.
A família renasceu com ele. Na primeira noite, logo após o nascimento, nos corredores escuros da velha casa, voltaram-se a ouvir os gemidos de um recém-nascido, enquanto o irmão mais velho ensinava ao que perdera o estatuto de mais novo, ainda em fraldas, o que era um bebé. «É o mano. É o Zé Maria», disse-lhe baixinho.
O Zé Maria pesa 2,850 Kg, mas não é um zé ninguém. Não diz uma palavra nem dá um passo, mas é ele quem manda na casa. Ele um senhor muito exigente. Amanhã, quando falar como deve ser e caminhar o necessário, será mandado por outro Zé Maria. Por agora, como um governador provisório de um território que lhe coube em sorte, põe tudo a mexer. É por causa dele que a pesada empregada fala em surdina, sobe e desce a escadaria em pezinhos de lã, como um anjo. Por causa dele, aligeira-se o passo e abrem-se, de novo, as portas aos vizinhos. Aquelas rosas brancas na jarra de porcelana foram ali deixadas por causa dele. As palavras voltaram a ser sussurradas no quarto dos pais, onde dorme, como se de um juiz sensível se tratasse, e os discursos de outrora foram suspensos, dando lugar a expressões breves de admiração.
Por causa dele, aquela mulher que o amamenta dá à luz a novas e estranhas perguntas quando, por breves instantes, fixa o olhar no horizonte, na silhueta da montanha que se desenha em frente da janela ou no andamento sereno das nuvens brancas sobre o azul do céu. «Que será de ti, meu filho?» O Zé Maria não adivinha como vai crescer à sombra daquelas perguntas. E ainda é muito novo para saber que há respostas carregadas de novas perguntas. Deverá preferi-las às respostas definitivas, aquelas que os homens procuram quando não querem caminhar.
O Zé Maria nasceu ontem, mas é como se estivesse estado sempre naquela casa. O arquiteto que a desenhara já sabia que um dia ele haveria de nascer. Ele tinha sido longamente sonhado por aquele homem que agora adormece de olhos abertos, aquele que está em permanente vigília. O Zé Maria saberá um dia que, através dele, se realizou o cumprimento da promessa primordial.
Tão pequeno e já faz grandes milagres. Tão silencioso e já diz muitas coisas. Diz-nos, por exemplo, como especialista na génese do universo e no movimento dos astros, que o Criador precisava dele para que fosse conhecido. O Deus todo o poderoso, o omnipresente, não estaria bem consigo se o Zé Maria não tivesse nascido. A este propósito, partilho convosco um segredo: ainda esta manhã, o bebé-mestre confirmou as palavras que o poeta vienense Hugo Von Holmannsthal pôs na boca de Deus: «Eu era um tesouro que ninguém conhecia. Quis ser conhecido. Então, criei o homem.».
E pensar que o Zé Maria por ser quem é, tão novo e tão velho, é imagem de um Deus cujo coração palpita de alegria com o sim generoso daquele casal. Louvado seja Deus. Louvada seja a trindade santíssima.