Vencer o medo de conviver

Crónicas 9 junho 2017  •  Tempo de Leitura: 4

Temos de aprender a conviver com o medo, repetimos. O potencial de dano que a sua amplificação traz à nossa convivência, de resto, temo-lo testemunhado na sua concreta fisicidade. Permanece o facto de, se não queremos limitar a nossa reação ao exercício paliativo de alguns rituais consolatórios ou à retórica belicosa de qualquer solução final, haver um medo mais profundo que devemos perseguir, expor e conduzir ao centro do raciocínio.

 

Esse medo é o medo de conviver. A determinação de conviver com o medo, por si só, torna-se também num hábito. E em supressão. Em determinado momento deixaremos de procurar compreender: limitar-nos-emos a agir por impulso, exprimiremos o nosso desdém, atacaremos às cegas, fechar-nos-emos cada vez mais sobre nós próprios. Não tentaremos compreender a fundo o que nos surge, quase incompreensível no momento, até chegar ao ponto em que as rotas do ódio e do medo se cruzam e se enrodilham uma na outra.

 

Pensámos muito até agora: a pobreza a exclusão, o fanatismo político, o fundamentalismo religioso. Todas as explicações têm a sua sacrossanta parte de verdade. Mas a manta continua demasiado curta em todos os casos. E depois são explicações que nos deixam demasiadamente fora de jogo: não dizem quase nada sobre o que podemos - e devemos - fazer para desarmar o círculo vicioso (e mortífero) do medo e do ódio. O medo de conviver é contagioso, como o ódio daqueles que não se suportam. Na mesma emancipada Europa o medo de conviver ganha terreno de maneira impensável, inclusive entre os povos que a habitam desde há séculos.

 

O medo de conviver («nunca o poderemos fazer», «somos demasiado diferentes») abre veredas ao ceticismo: o ceticismo alimenta um espírito de renúncia, que depois exorciza a crescente indiferença pelas práticas reais das convivência, entregando-a inteiramente à burocracia das regras e regrazinhas politicamente corretas.



A indiferença cria distância e abandono: e paga-se, com os interesses, em termos de rutura e ressentimento. Os "odiadores" profissionais estão sempre prontos a aproveitar-se dela a cada encruzilhada da história: o medo não é só um efeito do ódio, é também um terreno fértil para o seu crescimento. Por isso podemos fazer mais do que conviver com o medo.

 

Podemos adentrarmo-nos mais corajosamente (e com mais amor: não parece um paradoxo) em todos os territórios do nosso habitat civil e religioso em que o medo da convivência, com o seu cortejo de ceticismo preconceituoso e potencial ressentimento, se fecha sobre si mesmo. Tornando-se desse modo terreno fértil para a agressividade e o gesto delirante. Não coloquemos muros às fronteiras civis e religiosas. Mas não mais aceitemos comunidades, civis ou religiosas, muradas na sua inviolável impenetrabilidade à reciprocidade discursiva, à frequência familiar, à cooperação solidária.

 

Todos os povos, indistintamente, são feitos de homens, mulheres e crianças. Esta condição, com o seu desfile de vulnerabilidade e de esperanças, é infinitamente mais decisivo do que qualquer outro identificador: cultural, político, religioso. O medo de conviver deve ser atacado com determinação e vencido em todos os campos, desde o berço. Debaixo da linha de flutuação de retóricas repetitivas e de políticas inertes, um número incrível de homens e mulheres corajosos navega já de mil maneiras nesse mar, tirando água, conjuntamente, ao medo e ao ódio. Não são eles que têm de aprender as fórmulas da política, mas a política que tem de substituir a burocracia pela lógica deles. Pode fazer-se muito mais do que conviver com o medo.

 

[© Pierangelo Sequeri | In "Avvenire"]

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