Conto de Natal I
Homenagem a todas as mulheres que têm os seus filhos em contexto de guerra
A Síria está em guerra. De dia e de noite chovem sons e luzes que não são as do Céu. A guerra é a guerra e é assim que ela é. Mas na guerra não se morre só. Na guerra também se nasce, não se sabe é como.
Depois da cidade bombardeada, há uma mulher que se levanta dos escombros, procura marido, procura filhos, procura pais, procura gente, mas a guerra levou-os. E trazem-lhe as lágrimas, o desespero, a fome e a vontade de morrer. Assim seria se dentro de si não se revirasse já um rebento que diz “Aqui, estou eu. Sou um eu que precisa de ti para ser”.
Que são as dores de uma mulher na guerra? As mesmas de uma mulher na paz, aquelas que só as mulheres sabem quando os filhos querem ser filhos nos seus braços. É a hora! É a terceira vez, mas esta a mais fria, a mais dura, a mais solitária. Começam os choros, começam as dores. Mas eis que surgidos de não se sabe de onde, há dois olhos ferozes, gulosos, armadilhados que se chegam perto deste corpo de mulher que está pronto a dar à luz. Que fazes, mulher, se um soldado do outro lado, cheio do poder das armas malignas, te persegue como perseguiu quem era sangue do teu sangue? Uma mãe nestas horas já não pensa, uma mulher entrega-se às forças da natureza.
Um soldado sai do esconderijo, aponta a mira e… De mulher para mulher, de um soldado de guerra para um soldado da vida, é este quem vence, porque a morte tem os seus dias contados se há Vida que nasce.
Seguem-se as dores, ouve-se o primeiro choro.
E interroga-se a nova mãe porque um soldado não disparou depois de apontar. O soldado descobre a cara, respira fundo, limpa o suor, volta a tapar-se, prepara-se para correr e fugir, e quando vira a esquina na casa bombardeada profere:
– Eu também sou mãe…
É Natal!