Que cultura digital ao serviço da promoção vocacional?
Começamos lentamente a sair de casa, mas não desligados. E mais do que nunca! A comunicação remota veio para ficar – e quem a poderia ainda olhar de soslaio aprendeu o seu enorme potencial. Obriga-nos isto a reflexões importantes, que não só nos devem fazer pensar e rezar este assunto como nos devem impelir à ação, pondo também os meios digitais ao serviço dos fins.
Ainda que com expressão diversa em pontos diferentes do globo, a realidade juvenil caracteriza-se por uma cultura amplamente digital. Assim, é quase certo que chegar hoje aos jovens passará pelo digital; e não só eles: quem procura um número telefónico na revista das páginas amarelas? Um dos primeiros contactos com uma determinada realidade dá-se muitas vezes numa pesquisa da internet.
Ainda no espírito das comunicações sociais e dos seus meios, da Jornada Mundial da Juventude 2023, na senda da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional, e ainda marcados pelo confinamento que nos deixou quase reféns do computador, como meio de estudo, trabalho e divertimento, somos levados a questionar-nos: Que cultura digital ao serviço da promoção vocacional?
O discernimento na tradição cristã, enquanto «dinâmica espiritual pela qual uma pessoa, um grupo ou uma comunidade procuram reconhecer e acolher a vontade de Deus no concreto da sua situação»[1], implica uma atitude de liberdade e escuta interiores, para perceber o que Deus quer de si, desejando e escolhendo o que mais o conduz para o fim para que é criado[2]. Discernir a sua vocação é deixar que Deus seja Deus em si.
Discernir uma vocação pode ser um caminho árduo e sinuoso. Mais difícil poderá ser quando a pessoa se vê chamada a um jeito e estilo de vida de especial consagração. Aí, é quase do género: “Tragam-me o catálogo!”
O “catálogo vocacional” não ditará nunca o sucesso da promoção vocacional. Contudo, a consciência mais clara de que o discernimento vocacional é um caminho que a própria pessoa faz, não uma imposição, pressupõe também um conhecimento do que existe, de onde resultará uma afinidade maior ou menor com um determinado estilo de vida.
Por muito ridícula que se possa considerar esta ideia, penso que faz falta um espaço digital concertado dedicado à promoção vocacional, como convite ao caminho de discernimento que cada um, depois, encetará livremente, procurando a vontade de Deus para si.
Numa pesquisa rápida pela internet, sem grandes pormenores, dou conta de uma cultura digital ainda pouco cuidada e trabalhada na área da promoção vocacional. Dispersão, pouco cuidado estético, informação indisponível, desatualizada, repetida, banal, pouca clareza… Ao nível das congregações religiosas, a disparidade é enorme. Há páginas de promoção vocacional agradáveis, revitalizadoras e que traduzem a dinâmica de quem as promove. Quem as consultar sentir-se-á bem acolhido, convidado a conhecer e certamente dirá: Quero saber mais! Outras são um imediato convite a passar à frente... E nisto, a juventude é extremamente crítica.
Deixo aqui cinco pontos para reflexão que espero poderem ser úteis ao diálogo sobre esta temática, em resposta à pergunta Que cultura digital ao serviço da promoção vocacional?:
1. Que lugar é dado, entre nós, na cultura digital, à promoção vocacional? Apesar do meritório trabalho já iniciado, graças a um grande esforço já encetado, essa promoção já vai existindo, contudo, de forma muito dispersa, em pequenos nichos vocacionais, num trabalho muito pouco concertado. Faria sentido, por exemplo, uma plataforma interdiocesana que abordasse a questão vocacional, nas suas diversas dimensões: matrimónio, consagração, vida laical. Há bons exemplos estrangeiros que nos podem inspirar, como os sites Vision Vocation Network e A Guide to Religious Ministries for Catholic Men and Women.
2. Quem quer encetar um caminho de discernimento vocacional tem informação que o ajude a isso? A informação bem trabalhada requer tempo e dedicação. Contamos, ainda, com informação que nem sempre corresponde a isto, difícil de encontrar, longa, eclesiástica, de difícil acesso ao público jovem, de diferentes faixas etárias. Necessitamos de informação simples, objetiva, bem organizada, de fácil acesso. Dessa forma, tem a mais-valia de ser facilmente usada por catequistas ou animadores vocacionais. Reconheço que o caminho, aqui, é difícil, e ele só é conseguido se também essa informação for trabalhada com os jovens, em diálogo. Serão eles os melhores avaliadores do trabalho realizado, mas também os melhores aconselhadores na melhoria.
3. No caso da vida religiosa, que trabalho tem sido feito na informação e divulgação dos diferentes carismas? A discrepância de páginas de internet dos diferentes institutos é enorme: desde páginas bem concebidas a páginas obsoletas, às que nem sequer existem, com exceção da designação no Anuário Católico ou na página da CIRP (Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal). Não faltará um elemento comum que ajude a conhecer o que há e mais organização na variedade oferecida? Os websites implicam dinâmicas diferentes do Facebook, do Instagram ou do Twitter que se têm de dominar, para passar corretamente uma mensagem, para um público específico. Estas seriam formas diferentes de «fazer memória daquilo que somos aos olhos de Deus, testemunhar aquilo que o Espírito escreve nos corações, revelar a cada um que a sua história contém maravilhas estupendas»[3].
4. Não deveríamos procurar mais comunhão numa matéria que tanto diz à Igreja? Posso estar profundamente errada, mas sinto que tem falhado uma pastoral e uma promoção vocacional despretensiosa, sem rivalidades. É desejável uma estratégia global que dê, inclusive, a possibilidade a alguns carismas mais discretos de se darem a conhecer e/ou que, sem recursos, possam ter também visibilidade (hoje, quem não está na Internet não existe!). Sem isso, podemos cair no erro de a cultura digital ser um fator alienante de alguns carismas. Na verdade, fica-se com a ideia de que há grupos favorecidos, pela força de diversas circunstâncias, mas de que falha a comunhão, numa estrutura acertada, que ajude a refletir e a progredir. A experiência de quem já trabalha muito bem a comunicação pode ser uma mais-valia para não se começar do zero.
5. Não nos falha o profissionalismo numa cultura de inegável uso da juventude? Palavra que normalmente não se gosta de ouvir, porque muito do que é feito depende de voluntarismo, falha o trabalho profissional no ambiente digital, quando se fala de promoção vocacional. O webdesign, a informação disponibilizada, os testemunhos, a vocação, o carisma, o percurso formativo, o apostolado, as dinâmicas vocacionais, as FAQ, as newsletters...
O meio digital é, na nossa cultura, um meio tão digno e valioso de promoção vocacional como foram noutros tempos a pagela ou o livro. Impõe-se a necessidade de reflexão e diálogo neste campo, cuidados, despretensiosos, em espírito comunitário e de interajuda, que não ignore nenhuma das vocações e dê realmente a conhecer a quem procura o que há. Estamos a dever isso aos jovens que ousam responder à questão existencial: Que queres de mim, Senhor?
Com a necessidade de nas nossas vidas recorrermos à internet para aceder a informação, que o meio digital e a sua cultura estejam também ao serviço da promoção vocacional. Não o ignoremos, para não sermos ignorados.
[1] XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional, p. 61.
[2] Início do Princípio e Fundamento dos Exercícios Espirituais, de Santo Inácio de Loiola.
[3] Mensagem do Papa Francisco para o LIV Dia Mundial das Comunicações Sociais
[©Família Cristã]