Senhor, ensina-nos a peregrinar!
Um homem solitário caminhava lentamente, na chuva, como numa lenta peregrinação, até o palco da audiência, único ponto iluminado naquela noite da Praça de São Pedro em Roma. O Papa chegou ao microfone, com voz suave e a respiração ofegante devido ao cansaço da escada, e disse: “Senhor, abre os nossos corações à esperança".
Esta imagem fortíssima de 27 de Março de 2020, ecoa-me constantemente nestes dias de confinamento. Aquela aparente peregrinação solitária de Francisco em tempos de sofrimento humano, que ainda perdura, é um lugar de encontro. Sim. Fisicamente o Papa estava sozinho, mas os milhões que o observavam, nunca o deixaram abandonado naquela praça.
Este peregrinar pontifício inspira-me para viver a Quaresma. O vocábulo peregrinar tem origem no latim, mediante a contração de per- (através) e ager (terra, campo), que deu lugar ao adjetivo pereger (viajante) e ao advérbio peregre (no estrangeiro), o qual, por sua vez, deu origem a peregrinus (estrangeiro) e peregrinatio (viagem ao exterior).
A peregrinação é uma metáfora para quem quer partir, viajando na companhia dos seus irmãos, tendo como destino, não os lugares, mas as pessoas. A peregrinação não é apenas uma busca espiritual, mas é também uma oportunidade para satisfazer a necessidade de ter tempo para estar com os amigos. Encontrar alguém para conversar, conhecer novas pessoas, ter uma experiência diferente com os nossos. Há uma bivalência entre a pesquisa espiritual e a necessidade de parar e perder tempo para si mesmo. Procurar um momento em que consigamos pensar em nós mesmos.
Isto exige despreendimento. Não conseguimos fazer o caminho carregados com coisas supérfluas, banais. Só se pode com o essencial. Exige um abandono das nossas zonas de conforto. Um sair!...
Qual a razão para caminhar? Quais as razões para sairmos do nosso conforto? Procurando novos encontros? É apenas curiosidade? É um desejo de purificação? É isso a Quaresma? É "contornar" o confinamento? Talvez seja tudo isso, mas é muito mais.
A razão, no fundo, encontra-se no próprio homem: é o homem, no seu íntimo, que é um "viajante". Por meio de eventos, encontros, histórias, não fazemos nada mais do que procurar. Somos radicalmente peregrinos, ou seja, como a própria palavra diz, somos aqueles que vão "per agri", pelos campos. Não é assim o homem, desde que apareceu? Não fomos nómadas durante milhares de anos? E a própria Bíblia não nos tornou amigos de nómadas que, com as suas caravanas através dos campos e dos desertos, buscavam uma terra para ficar? A Sagrada Escritura fala-nos de passagem, de travessia: o êxodo, o exílio, o regresso, a Páscoa do Senhor, cristãos no mundo mas não do mundo…
Precisamos de peregrinar! A peregrinação é imagem da vida e daquilo que revela o seu sentido: o encontro com o Senhor decisivo para a existência de cada ser humano. O tornar-se peregrino expressa o desejo de ser companheiro de viagem na busca do sentido da vida, num tempo tão complexo e confuso, com a humildade de quem só pode oferecer o dom de Jesus, início e fim da existência humana, verdade e vida do ser humano.
Uma Santa Quaresma! Bom Caminho!