Palavras Ocas
É impressão minha ou há palavras que ficaram sem voz, como se estivessem vazias? Sem uma contextualização precisa do seu significado, sem uma redefinição do seu uso e do seu alcance, deixamos de perceber o seu som ou o seu significado. É verdade que muitas vezes são palavras usadas abusadamente, mesmo na linguagem religiosa, a ponto de nos cansarmos de as exprimir ou perdermos a capacidade de as ouvir. Um pouco ao jeito da música de Cândida Branca Flor, “Trocas e Baldrocas”:
«São palavras ocas
Faz orelhas moucas
Não te deixes enganar!»
Entre estas palavras está a «Fraternidade», um conceito no qual coexiste um amontoado de relações e sentimentos aos quais o nosso mundo, na sua maior parte, permanece surdo e indiferente, apesar das numerosas tentativas de reanimá-lo.
Não fossem as tragédias humanas, como a que vimos em Valência, e teríamos alguma dificuldade em vê-la. Porém, esta onda de emoção, como a água, vem, passa e vai.
Como nos diz Enzo Bianchi na obra “Fraternità”, é urgente repensar a fraternidade, como «fundamento e razão de uma necessária confiança na bondade da convivência; como solidariedade entre membros de uma convivência para a qual é necessário redescobrir o bem comum; como uma incessante reconstrução de pontes», onde os caminhos pelos quais os seres humanos se relacionam, são dramaticamente interrompidos tantas vezes...
Para que tal aconteça, é necessário ir às origens do significado de sermos irmãos e irmãs. Antes de mais é preciso afastar-nos do estereótipo segundo o qual a fraternidade e a irmandade constituem um sonho idílico de serenidade e harmonia, um paraíso jamais alcançável.
Como ponto de partida, ser irmãos é um facto biológico que nos diz que somos gerados da mesma semente e do mesmo ventre. Mas isto não basta! Pelo que vemos nos conflitos familiares, sociais e entre nações, a solidariedade e a proximidade, não são automáticas pelo facto de sermos irmãos. Tem que ser cultivada, educada, alimentada se queremos ter uma humanidade e uma sociedade melhores.
Para a Fraternidade não ser uma palavra oca em orelhas moucas, temos necessidade de uma educação que forme para uma irmandade que se estende da família nuclear até à família cultural, social e também, religiosa. Que o único remédio para evitar a bestialidade humana é procurar remendar os rasgões provocados pelos conflitos, tentar reparar as injustiças, reavivar aquele sentido de comunidade que tão raramente aparece no limiar dos lares e das nações.