Arte de aceitar a própria finitude

Crónicas 8 abril 2025  •  Tempo de Leitura: 5

«O fim da existência é uma passagem. Morrer é um verbo, não um facto.

O indivíduo contemporâneo, pelo contrário, preocupa-se apenas com a sobrevivência e está apegado à aparência física. Imaginar que isso vai durar para sempre é insensato».

 

Massimo Cacciari

O Homem contemporâneo sente-se dono da sua própria existência, arquiteto da vida e da morte, das quais dispõe livremente...

 

Porém, a morte é sempre uma realidade desconhecida que levanta questões e dá origem a sentimentos conflituosos, principalmente quando estão envolvidos entes queridos, amigos, familiares e conhecidos.

 

A morte encontra-nos sempre um pouco de surpresa, mal preparados, por vezes angustiados ou indiferentes, segundo a sensibilidade, as vivências e a fé de cada um. Não podemos negar que o ato de morrer desperta um pouco de medo em todos nós, pois apresenta-nos uma realidade desconhecida, desprovida de qualquer controle. Somos feitos para a vida e dentro de nós surge a questão sobre o porquê de termos de morrer.

 

Esta questão também habitou o coração de Jesus e resultou num ato enorme de entrega nas mãos do Pai. Numa leitura crente ou não crente, a vida humana é sempre uma luta contra a morte. A vida e a morte coexistem sempre: na superficialidade com que vivemos, na violência que colhe vítimas inocentes; mas também nas pequenas passagens quotidianas que falam de morrer a toda a forma de egoísmo e de poder; de autopreservação ou desconfiança. A vida vence quando se vive na confiança, na relação, na lealdade, na fraternidade.

 

Para o nosso tempo, é um processo cada vez mais difícil: não falamos sobre ela; evitamos que as crianças visitem os mortos, os funerais; proliferam as Casas Mortuárias, os Complexos Funerários que acolhem os defuntos; camufla-se a doença e a velhice…

 

É urgente acolher a morte como uma irmã!

 

É uma arte aceitar sem reclamar a própria finitude, o próprio cansaço, a própria dor como parte da própria existência.

 

É um ato de fé profunda acreditar que nascemos e nunca morreremos, porque a vida continuará e nasceremos de novo como um segundo nascimento.

 

O crente esquece muitas vezes a perspetiva escatológica, que não exclui a fidelidade à vida terrena, mas coloca-a num horizonte mais vasto, num chamamento à vida como vocação ao amor, um amor que dura para sempre e vai para além da morte. Descobrir o segredo da morte é entrar no mistério da vida, porque o nosso Deus não é o Deus dos mortos, mas dos vivos, aquele que colocou no nosso coração o desejo da eternidade.

 

Como nos podemos reconciliar com o medo da morte? 

 

Podemos reconciliar-nos tornando-nos mais conscientes da nossa fragilidade como criaturas, da nossa dependência de um Outro que é Amor e Misericórdia, começando a habitar de uma nova forma as pequenas mortes que a vida quotidiana nos reserva e que assumem o rosto de um limite, de um fracasso, de um acontecimento inesperado.

 

Jesus venceu a morte transformando-a num dom. A morte continua a ser um mistério, um mistério que para o crente é iluminado pela ressurreição pascal de Jesus.

 

O Cardeal Maria Martini afirmou: «O cristianismo é a lectio difficilior, o caminho mais difícil, que leva a sério a condição universal da dor, do pecado, da morte e, desta forma, anuncia a compaixão de um Deus que assume essa morte e esse mal para elevar e salvar cada pessoa humana. Graças a Cristo, a dor e a morte já não são uma coisa sinistra. destino a curvar-se sem compreender; o amor tornou-se dor, para que a dor se pudesse tornar amor, e a morte é o próprio lugar do amor e da esperança».

 

Como cristãos, devemos crescer e desenvolver uma fé adulta, centrada no Mistério Pascal de Cristo, para dar sentido à nossa vida em todas as estações da vida, na saúde e na doença, e para sermos capazes de dar razão aos nossos jovens para a esperança que habita em nós e que faz da morte menos uma inimiga e mais uma irmã.

 

p.s. Dedico este texto à Maria José Soares. Partiu na semana passada para a casa do Pai, depois de uma vida dedicada aos jovens, no silêncio do seu serviço.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail