Arte de aceitar a própria finitude
«O fim da existência é uma passagem. Morrer é um verbo, não um facto.
O indivíduo contemporâneo, pelo contrário, preocupa-se apenas com a sobrevivência e está apegado à aparência física. Imaginar que isso vai durar para sempre é insensato».
O Homem contemporâneo sente-se dono da sua própria existência, arquiteto da vida e da morte, das quais dispõe livremente...
Porém, a morte é sempre uma realidade desconhecida que levanta questões e dá origem a sentimentos conflituosos, principalmente quando estão envolvidos entes queridos, amigos, familiares e conhecidos.
A morte encontra-nos sempre um pouco de surpresa, mal preparados, por vezes angustiados ou indiferentes, segundo a sensibilidade, as vivências e a fé de cada um. Não podemos negar que o ato de morrer desperta um pouco de medo em todos nós, pois apresenta-nos uma realidade desconhecida, desprovida de qualquer controle. Somos feitos para a vida e dentro de nós surge a questão sobre o porquê de termos de morrer.
Esta questão também habitou o coração de Jesus e resultou num ato enorme de entrega nas mãos do Pai. Numa leitura crente ou não crente, a vida humana é sempre uma luta contra a morte. A vida e a morte coexistem sempre: na superficialidade com que vivemos, na violência que colhe vítimas inocentes; mas também nas pequenas passagens quotidianas que falam de morrer a toda a forma de egoísmo e de poder; de autopreservação ou desconfiança. A vida vence quando se vive na confiança, na relação, na lealdade, na fraternidade.
Para o nosso tempo, é um processo cada vez mais difícil: não falamos sobre ela; evitamos que as crianças visitem os mortos, os funerais; proliferam as Casas Mortuárias, os Complexos Funerários que acolhem os defuntos; camufla-se a doença e a velhice…
É urgente acolher a morte como uma irmã!
É uma arte aceitar sem reclamar a própria finitude, o próprio cansaço, a própria dor como parte da própria existência.
É um ato de fé profunda acreditar que nascemos e nunca morreremos, porque a vida continuará e nasceremos de novo como um segundo nascimento.
O crente esquece muitas vezes a perspetiva escatológica, que não exclui a fidelidade à vida terrena, mas coloca-a num horizonte mais vasto, num chamamento à vida como vocação ao amor, um amor que dura para sempre e vai para além da morte. Descobrir o segredo da morte é entrar no mistério da vida, porque o nosso Deus não é o Deus dos mortos, mas dos vivos, aquele que colocou no nosso coração o desejo da eternidade.
Como nos podemos reconciliar com o medo da morte?
Podemos reconciliar-nos tornando-nos mais conscientes da nossa fragilidade como criaturas, da nossa dependência de um Outro que é Amor e Misericórdia, começando a habitar de uma nova forma as pequenas mortes que a vida quotidiana nos reserva e que assumem o rosto de um limite, de um fracasso, de um acontecimento inesperado.
Jesus venceu a morte transformando-a num dom. A morte continua a ser um mistério, um mistério que para o crente é iluminado pela ressurreição pascal de Jesus.
O Cardeal Maria Martini afirmou: «O cristianismo é a lectio difficilior, o caminho mais difícil, que leva a sério a condição universal da dor, do pecado, da morte e, desta forma, anuncia a compaixão de um Deus que assume essa morte e esse mal para elevar e salvar cada pessoa humana. Graças a Cristo, a dor e a morte já não são uma coisa sinistra. destino a curvar-se sem compreender; o amor tornou-se dor, para que a dor se pudesse tornar amor, e a morte é o próprio lugar do amor e da esperança».
Como cristãos, devemos crescer e desenvolver uma fé adulta, centrada no Mistério Pascal de Cristo, para dar sentido à nossa vida em todas as estações da vida, na saúde e na doença, e para sermos capazes de dar razão aos nossos jovens para a esperança que habita em nós e que faz da morte menos uma inimiga e mais uma irmã.
p.s. Dedico este texto à Maria José Soares. Partiu na semana passada para a casa do Pai, depois de uma vida dedicada aos jovens, no silêncio do seu serviço.