A adolescência é um tempo de mentira?
«Podem os bons pais criar “maus filhos”? Podem!
Basta só que sejam mais distraídos do que imaginam ser.
E basta que os pais deixem de sentir aquilo que eles falam nas entrelinhas.
E que fiquem à espera que os adolescentes venham ao seu encontro
antes, ainda, dos pais lerem, por eles, os seus silêncios.»
A já famosa minissérie Adolescência mostra que os adolescentes de hoje estruturam as suas identidades online, ou seja, privados do seu corpo. Os quatro episódios são filmados num único plano, sem cortes, no qual os acontecimentos parecem acontecer no tempo que demoram a acontecer na vida real. Esta escolha narrativa, para além de captar a atenção de quem hoje vê televisão enquanto navega nas redes sociais, mostra a origem da nossa ansiedade: hoje já não saímos do fluxo, sofremos com a sua corrente, afogamo-nos nele. Imersos no fluxo contínuo de imagens e informações, já não somos capazes de nos entender e compreender.
Nunca tivemos tantas ferramentas educativas e tão poucas formas eficazes de educar. O que fazer?
A identidade humana é narrativa, é história vivida. A vida do eu, do ser pessoa, é uma história que contamos primeiro a nós próprios e depois aos outros. E o que acontece se um eu em desenvolvimento, um adolescente, perder o sentido do tempo, ou seja, afogar-se neste fluxo?
Agarrar-se-á a qualquer outro naufragado apenas para se manter à tona; construirá um eu digital, não um sujeito, mas um eu profundo e falso, um eu que é aparentemente real, mas vazio, frágil e assustado. O online habitua-nos a certo modo de pensar, a uma certa realidade, como uma marioneta que se move ao comando de desejos e de expectativas. Mas a vida resiste ao digital, porque a vida é tempo feito carne. E é a partir do corpo que devemos começar a dar sentido ao tempo. E aqui a nossa natureza dita o ritmo sem mentir: é terrível!
Se os animais têm instinto, o ser humano precisa de aprender a estar no mundo de uma forma única. Por esta razão, cada sociedade, estrutura formas educativas eficazes para os seus próprios fins. E nós, o que queremos ser? Se não houver uma resposta clara e, por isso, não existirem formas educativas precisas, então educará o fluxo que está online, e que nunca é neutro, porque flui de acordo com a corrente dominante, e que nos quer consumidores dóceis e isolados.
Adolescente é o particípio presente do verbo latino adolescere, do qual o adulto é o resultado. Adolescere, é descobrir-se dotado de uma singularidade que, de um dom recebido, pode tornar-se uma tarefa, ou seja, uma história completa que vai de "era uma vez" a "ele viveu feliz para sempre". O adolescente, na verdade, quer as chaves da casa: quer construir a sua própria vida. Mas é sempre a autoridade que as pode dar. Se a autoridade não as tem, então é o poder atual que as oferece: hoje o online, criado por adultos por razões económicas e não educativas.
Os adolescentes pedem-nos tempo com qualidade, um tempo sensível, encarnado e não digital. Pedem-nos a restituição do corpo, do limite, da realidade. Pedem-nos para os tirar do fluxo para respirar um pouco. Pedem-nos para ajudá-los a descobrir a terra firme: a boa e velha realidade cansativa, mas cheia de emoções. Pedem-nos uma educação afetiva e relacional, acompanhada por um tempo presencial. Tal e qual como paternidade daquele pai da parábola do Filho Pródigo.
E isto não é uma mentira do 1 de Abril!