Fazer jejum do nosso eu
Faz jejuar o nosso eu,
demais centrado em si mesmo, egoísta, endurecido,
que só deseja tirar a sua vantagem:
que saiba esquecer-se, esconder-se, doar-se.»
Jean Galot
Nas dificuldades e provações somos obrigados a confrontar o que é verdadeiramente importante: uma desilusão, um fracasso, um problema de saúde, uma doença, uma morte...
Estas situações chamam-nos a encarar o essencial da nossa vida. Deixando de lado o supérfluo, permanecem as questões profundas: quem somos, para onde vamos?
O tempo da Quaresma, neste sentido, é um período privilegiado porque, convidando-nos à oração, à caridade e ao jejum mais intensos, impele-nos a domesticar o desejo, a educar a vontade.
O jejum cristão, passa não só por abdicar da comida, mas também de tudo o que pesa na alma: o orgulho, o desejo de sucesso, o egoísmo. É um grito de liberdade que nos liberta de tudo o que nos prende a nós próprios e às nossas paixões. Por isso, não o podemos reduzir a um fardo ou a um simples exercício estético comparável a alguma dieta. É como um ginásio espiritual, para nos libertarmos dos maus hábitos, das atitudes arrogantes e dos planos errados que nos mantêm ancorados ao imediatismo e à vida terrena.
Muitas vezes padecemos do desejo de Pedro no Monte Tabor: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
Somos chamados a repensar as nossas vidas, concentrando-nos naqueles excessos a que nos habituámos e que caracterizam os nossos estilos de vida pessoais e comunitários. Pensemos nas pequenas ou grandes formas de escravatura que orientam as nossas escolhas e ferem a nossa liberdade: o consumismo, a moda, o dinheiro, o materialismo, o jogo, a fama...
O jejum tem raízes bíblicas. No Antigo Testamento representa um apelo a fazer-se humilde diante de Deus e remete para a total dependência do Senhor, reconhecendo no alimento, que mantém o homem vivo, um dom do Altíssimo. No Novo Testamento, continua a ser válido, mas, perante o perigo de uma certa ostentação, Jesus recomenda uma maior discrição na maneira de jejuar, sem mostrar sinais exteriores.
Anda de mãos dadas com a esmola e a oração, os outros dois sinais da Quaresma, porque o jejum não é um fim em si mesmo nem é uma prova pessoal, como poderia ser para um desportista.
Se nos queremos libertar daquilo que nos oprime, é regressar a Deus, viver a caridade com todo o nosso coração e alma e amar o próximo como a nós mesmos.