Segurar pela mão

Crónicas 23 março 2021  •  Tempo de Leitura: 4

Nestes meses de teletrabalho, tive algum tempo para a escuta. Além de se tratar de um propósito quaresmal, o facto de acompanhar de perto os meus pais, que já ultrapassaram os 70 anos, e saber da realidade de outros idosos, obrigou-me a parar o passo acelerado que costumo ter no ano normal.

 

Afinal ainda não sei nada sobre a vida. É a conclusão que vou tendo neste tempo favorável que é a Quaresma. Quando não percebemos que basta um gesto tão simples como ouvir o outro na sua circunstância para o fazer sentir-se gente, não sabemos nada do que é viver.

 

O tempo da pandemia revelou a muitas mulheres e homens das nossas comunidades a profunda realidade de viver um tempo de passagem. Nele, os gestos, as presenças, as escolhas e as palavras, os significados são relatados como na origem da vida: a infância… Pela força concreta, mesmo dura e dolorosa das necessidades, das vulnerabilidades, dos medos, das incertezas… Da solidão…

 

Não lhes é fácil viver afastados da vida. Muitas das vezes, o cuidado em não transmitir-lhes o vírus, revelou-se abandono frio e calculado. A vida de muitos foi agarrada e mantida nas mãos de outros: vizinhos, profissionais de saúde, serviços assistenciais e, muitas vezes, por pessoas distantes e desconhecidas. Numa fraternidade incomum de cuidado e atenção.

 

No entanto, há uma frase de Alessandro D' Avenia, na obra "A arte de ser frágil", que me renova a esperança. Faço uma tradução livre: "Sempre se perde algo com a luz e sempre se ganha algo com a escuridão". Serve para dizer que há sempre o outro lado da moeda.

 

Segurar pela mão a vida tão frágil e o gemido alheio, e sentir a fragilidade das próprias mãos, que se oferecem, não escapam, foi a oportunidade e a escolha de muitos jovens e adultos neste ano adverso.

 

Aproximar-se, encontrar, foi e é conhecer a própria vulnerabilidade do outro, mas, ao mesmo tempo, a profundidade do desejo que nos habita: não estamos sozinhos, abandonados. Somos filhas e filhos e há quem saiba ser irmão e irmã.

 

E este tempo quaresmal tem-me ajudado a ver tanta, mas tanta gente, seja nos serviços hospitalares como na simples vizinhança, que têm colocado em prática este desejo tão especial do Papa Francisco, a Fraternidade Universal. Na mensagem para o último Dia Mundial do Doente, escreveu:

 

«Com efeito, a proximidade é um bálsamo precioso, que dá apoio e consolação a quem sofre na doença. Enquanto cristãos, vivemos uma tal proximidade como expressão do amor de Jesus Cristo, o bom Samaritano, que, compadecido, Se fez próximo de todo o ser humano, ferido pelo pecado. Unidos a Ele pela ação do Espírito Santo, somos chamados a ser misericordiosos como o Pai e a amar, de modo especial, os irmãos doentes, frágeis e atribulados (cf. Jo 13, 34-35). E vivemos esta proximidade pessoalmente, mas também de forma comunitária: na realidade, o amor fraterno em Cristo gera uma comunidade capaz de curar, que não abandona ninguém, que inclui e acolhe sobretudo os mais frágeis.» (nº3)



Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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