É o olhar que nos salva
Vejo-o a passar. Não sei o seu nome, nem onde mora, mas continua a não dispensar a salvação (cumprimentar com o levantar da mão). Retribuo da mesma forma. Não sabemos nada ou quase nada um sobre o outro. No entanto, os nossos rostos são-nos familiares. É o olhar que o diz. E hoje, este mesmo olhar, sublinha a certeza de que não é preciso muito para que nos salvemos.
Vejo-o a passar. Leva ao seu ombro um pedaço de madeira. Bem maior do que o seu tamanho, mas demasiado pequeno para a humanidade que transporta. Pelo menos é o que me falam os seus olhos. E como falam. O brilho que lhes persiste não deixa apagar a dor e o sofrimento de um trabalho exigente e custoso. No entanto, fala-me de simplicidade e de paz. De quem se entrega verdadeiramente.
Dirijo-me para casa e levo o seu olhar. Guardo-o com carinho como tantos outros. Recordo como todos eles não me deixaram igual. Relembro como cada um me tocou, me inquietou e me fez sentir ainda mais vivo. Lembro-me dos olhares que me acalmaram. Lembro-me dos olhares que me encontraram. E de muitos mais que me salvaram.
Hoje ao sentar-me no sofá não tenho dúvidas. É o olhar que nos salva. É no olhar que deixamos que toda a nossa história seja narrada num silêncio revelador. Não há forma de o falsificar. Não há nada mais puro para nos definir. Dali sai a narração perfeita. Ali todos são reconhecidos pelo que são, independentemente do que tenham ou façam.
É o olhar que nos salva, porque é o olhar que nos deixa ser.
É o olhar que me salva. É o olhar que te salva. Consegues ver?