Talvez não seja bem assim...
A Igreja Católica Apostólica Romana portuguesa passa por momentos complicados. E passa-o porque arriscou, e bem, em querer aprofundar uma problemática que assombra há muito a instituição e, em especial, o clero.
No entanto, tem existido dois fenómenos que marcam, de forma negativa, a postura da sociedade e também da Igreja. A primeira delas é a sociedade querer fazer da Igreja aquilo que, na generalidade, ela não é. E, claro que muitos poderão dizer que esta minha visão está enviesada por ser um crente do catolicismo. No entanto, acreditem que faço um esforço para não analisar toda esta situação de olhos fechados e com fundamentalismos. É claro que a sociedade deve sentir-se indignada e tem todo o direito em apontar para o mal que tantos religiosos e leigos fizeram a tantas crianças e jovens. É claro que a sociedade tem o direito de exigir justiça. E não é menos claro que também tem o direito de denunciar e de sentir que a Igreja já não é tão confiável. Mas o que a sociedade não pode fazer é cair na generalização. Como se todos os sacerdotes e religiosos consagrados fossem abusadores sexuais. O que a sociedade não pode fazer é olhar para a temática do abuso sexual como se apenas existisse no contexto católico. E com isto não quero dizer que o que aconteceu é admissível. Não, muito pelo contrário. É inadmissível o que aconteceu. Não, não deveria ter existido um único caso, mas também não podemos cair no maior erro dos nossos tempos: o de anularmos. Anulando, não se corrige. Anulando, perde-se o diálogo. Perde-se a conversão. Perde-se o perdão. Perde-se aquilo que tanto queremos: a mudança.
Um outro fenómeno tem sido as declarações de Bispos, de sacerdotes e de figuras públicas assumidamente católicas. Existe, infelizmente, uma parte da Igreja que ainda não está olhar verdadeiramente para a problemática. Estes, que deveriam possuir o dom da palavra, estão a falhar redondamente na comunicação. Passam uma mensagem fria, de relativização, quase como se nada do que tem sido reunido com provas fosse efetivamente válido. Caindo quase sempre na desculpa de que antigamente isso não valia, ou de que já foi há muito tempo e não conta. Esta postura de sentido de impunidade ou de que isto "não é nada connosco" faz crescer o ódio e o medo das vítimas, achando que a sua palavra e o seu sofrimento não contam para nada.
A Igreja tem, no meio de tanto sofrimento e de tanta crueldade, de seguir o exemplo das suas figuras mais emblemáticas: estar junto dos que sofrem, de preferência calada e pedindo perdão. Se não der para fazer tudo em silêncio que ao menos seja para pronunciar o perdão, a compaixão e a empatia.
E a sociedade deve fazer o seu caminho com seriedade: denunciar, pedir justificações e permitir que algo de novo possa surgir e, para isso, não pode cair em fundamentalismos.
Os tempos que nos esperam são extremamente desafiantes, mas aproveitemos para renovar a Igreja. Aproveitemos para lhe dar maior beleza e maior qualidade humana e, deste jeito, talvez possamos voltar a ser reflexo de Deus na Terra.