Para quê tudo de novo?
Aproximamo-nos, a passos largos, para mais uma semana maior. Daqui a poucos dias estamos a vivenciar a Semana Santa. E é interessante os nomes que arranjamos para simbolicamente celebrarmos estes tempos.
Os últimos dias, antes da celebração da Páscoa, são vivenciados com maior intensidade (Triduo Pascal). Voltamos a recordar, apesar de estarmos noutro Ano litúrgico, a instituição da Eucaristia, a Morte e Paixão de Cristo e, por último, celebramos a novidade da Páscoa. No entanto, questiono-me: para quê tudo de novo? Que novidade traz aos nossos dias todo este simbolismo? De que serve recordar tudo o que se passou se já vivemos na eterna Páscoa?
A verdade é que ainda hoje continua a fazer sentido recordarmos tudo o que é retratado nestes dias. Na 5ª feira Santa recordamos, através da instituição da Eucaristia e do lava pés, a importância e a beleza da vida partilhada e do serviço ao outro. E como é que transportamos isto para os nossos dias? Recordemos aqueles e aquelas que ainda não se sentam na mesma mesa que nós. Recordemos todos aqueles e aquelas que não partilham o pão da vida e o vinho da salvação. Recordemos aqueles a quem não lavamos os pés, por acharmos que não são dignos de pertencer do mesmo banquete. Enquanto conseguirmos nomear rostos para todas estas recordações, então é porque ainda falta cumprir-se a 5ª feira Santa e, por isso mesmo, é essencial voltarmos a recordar tudo.
Se olharmos agora para a 6ª feira Santa, onde nos é retratada a Paixão e Morte de Jesus, facilmente empatizamos com a sua dor e sofrimento, mas esta celebração não é para ficar somente nisto, mas sim para transferirmos este Jesus para aqueles que se cruzam no nosso dia. Como? Ora pensemos: quantas pessoas são entregues ao desprezo? Quantas são renegadas e maltratadas pela nossa sociedade? Quantas são esbofeteadas pela indiferença? Quantas são crucificadas pelas injúrias? Quantas não são escutadas? Quantas ainda gritam pela dor da incompreensão? Uma vez mais enquanto formos capazes de dar nome a todas estas perguntas, estaremos a ver no outro o rosto de Jesus. Estaremos a vivenciar a 6ª feira Santa.
Por último, na Vigília Pascal e na Manhã de Páscoa, celebramos a Ressurreição. Celebramos um túmulo vazio. A Ressurreição ninguém sabe explicar. É o verdadeiro ato de fé. É a pedra basilar da nossa crença, no entanto sabemos, através do ritual da Vigília Pascal, que a Páscoa nos permite acreditar que sobre as nossas sombras haverá sempre a Luz que nos salva. Sabemos, através da Vigília Pascal, que esta mesma Luz é capaz de iluminar e de incendiar as nossas vidas e, por isso, todos temos a capacidade de erguer a vida de tantos e tantas. Sabemos, através da manhã de Páscoa, que não há nada em nós que não possa ser ressuscitado. Não existe nada que nos termine, porque nos foi dado um túmulo vazio, onde cabe toda a nossa vida. Onde nos é dada sempre a possibilidade de recomeçar.
A Semana Santa e, em especial, o Triduo Pascal são dias intensos que avivam a nossa fé, mas só faz sentido celebrá-los se formos capazes de os transferir para a nossa realidade sabendo que já vivemos a eterna Páscoa.
Tenhamos a audácia de, nestes próximos dias, nos tornarmos homens e mulheres de serviço, de amor e que se realizam com uma mesa cheia. Uma mesa repleta de pão que ganha vida através da doação e que se deixa alegrar pelo vinho da vida. Tenhos a coragem de, no nosso dia-a-dia, sermos verdadeiros "erguedores" para que a Ressurreição seja uma realidade na vida de tantos e tantas!