Desfrutar da Bondade de Deus

Crónicas 11 julho 2023  •  Tempo de Leitura: 5

O anúncio de um novo purpurado para a Igreja portuguesa surge no 14º Domingo do Tempo Comum. Curiosa coincidência, pois o evangelho fala-nos da pequenez necessária para a verdadeira compreensão e seguimento de Deus: 

 

«Naquela ocasião, Jesus disse: "Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos.» Mt 11. 25

 

Jesus bendiz o Pai, isto é, proclama a glória do Senhor, a sua sabedoria, a sua omnipotência. A palavra "Pai" – ou para ser mais rigoroso com a tradução Abbà = Papá - ocorre cinco vezes nesta passagem evangélica. A sua oração é, portanto, antes de tudo uma intensa relação com Ele. 

 

Esta proximidade de Deus, porém, não diminui a sua grandeza divina, de facto, Ele é o "senhor do céu e da terra". Jesus bendiz o Pai porque guardou estas coisas, escondidas aos sábios e as revelou aos pequeninos. Estas coisas não significam outra coisa senão o anúncio do Reino.

 

Os eruditos e os sábios são, antes de tudo, os escribas e fariseus, os grandes homens da cultura, os conhecedores da Sagrada Escritura. Já os pequeninos são - como significa o termo grego - os bebés, aqueles que não têm o uso da fala. Não só as crianças, mas todos aqueles que como eles, não têm palavra, são excluídos e não são ouvidos.

 

Portanto, Jesus enuncia este incrível paradoxo evangélico: quem deveria ter recusado aceitou e quem deveria ter aceitado recusou. Os primeiros tornam-se últimos e os últimos tornam-se primeiros. No entanto, esta esquisitice agrada ao Pai. É objeto do seu agrado, da sua benevolência e isto causa imensa alegria a Jesus.

 

Este paradoxo, agora não evangélico, foi o que senti nestes dois primeiros dias do anúncio do novo cardeal português. É dentro da igreja que vejo as maiores reticências a esta nomeação. 

 

Para mim é sempre um grande motivo de alegria. Mas para muitos parece exatamente o oposto. Perguntam pela carreira; pela literatura publicada; pela obra realizada; se está a caminho da Sé de Lisboa; se é teólogo; se é político, ligado ao Partido Socialista; se tem ligações à maçonaria… Para não mencionar as citações de D. Américo completamente descontextualizadas.

 

Precisamos voltar à ideia que sustenta nossa própria natureza de crentes: o amor de Deus. Ele amou-nos primeiro. E por isso somos sempre pequenos diante dele, filhos que receberam tudo. A nossa verdadeira grandeza está em reconhecer que somos filhos até o fim.

 

A grande divisão entre os cristãos autênticos e santos e aqueles que falam disso sem se interessar em sê-lo, aparece cada vez mais como está descrita neste trecho do Evangelho. De um lado estão aqueles que se gabam de seus méritos e esperam – aliás, têm certeza – que Deus os notará. Do outro, estão aqueles que partem da fé, da confiança total em Deus e precisamente porque se entregaram a Deus, trabalham arduamente por Ele e pelos irmãos.

 

É verdade que muitas vezes na Igreja aqueles que fizeram, realizaram, é que foram exaltados. Os mais poderosos costumam ser os melhores. Mas temos que compreender, de uma vez para sempre, que a verdadeira grandeza do cristão não está em ser perfeito, mas em ser amado! Também nas próprias imperfeições.

 

«Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar.» Mt 11. 27

 

Muitas vezes perguntamo-nos o que devemos fazer para ser discípulos do Senhor... Talvez este texto evangélico não nos peça tanto para fazer, mas para ser, para tomar nota de quem somos. Ele não nos pede para conquistar a bondade de Deus, mas para desfrutá-la.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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