Ser voz no deserto…

Crónicas 31 outubro 2023  •  Tempo de Leitura: 4

Estes tempos poderiam ser definidos de acordo com diferentes enquadramentos: são os anos da crise climática; os anos da revolução digital; ou ainda, os anos da morte das classes médias da sociedade.

 

De certeza que são os anos em que as desigualdades estão dramaticamente a aumentar.

 

Esta afirmação pode ser muito incómoda e até provocadora, mas acredito que estas desigualdades estão a influenciar o clima de paz e estabilidade a nível, não apenas global, mas também, nacional e até o nosso mundo e o das nossas famílias e amigos.

 

O que penso ser mais alarmante, é o pouco que se fala do assunto. Além disso, quando há alguém que puxe pelo assunto, na tentativa de apontar o problema, é tratado como doido, desatualizado ou descontextualizado, porque este é o mundo da livre e liberal “economia do mercado”, da “globalização”, do “progresso”… Mas nesta questão das desigualdades, o verdadeiro louco é apenas aquele que não quer ver esta dramática realidade.

 

O aumento da desigualdade pode ser explicado desta forma: os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres são cada vez mais pobres.

 

Os dados publicados pelo Eurostat, o Serviço Europeu de Estatística, relativos a 2022: 19,7% das pessoas na UE estão em risco de pobreza. Também é claríssimo o relatório da Oxfam do mesmo ano: a desigualdade «mina o progresso no combate à pobreza, corrói a política, põe em perigo o futuro do nosso planeta. Crise após crise, as lacunas estruturais de longa data alargaram-se e consolidaram-se.»

 

E não é apenas uma questão de poder de compra de cada um de nós ou da nossa família, na realidade as desigualdades afetam a esperança de vida, o acesso a serviços básicos (cuidados de saúde, educação, água…) e, por fim mas não menos importante, os direitos humanos.

 

Neste cenário, é óbvio que a incerteza, a vulnerabilidade, a insegurança e a precariedade aumentam e a confiança nas instituições diminua, aumentando a tensão social.

 

Vivemos numa sociedade que caminha para a alienação: a vida perfeita! E esta perfeição, parece que se obtém apenas com dinheiro. Com muito dinheiro. Com este posso ter tudo. A casa perfeita; o carro perfeito; as férias perfeitas; o corpo perfeito... O Papa Francisco diz-nos que vivemos na idolatria do dinheiro: «A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano.» E.G. 55"

 

«Vivemos um momento histórico que não privilegia a atenção aos mais pobres». O Papa está convencido disso e na Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres, agendado para o próximo dia 19 de novembro, denuncia como «o volume do apelo ao bem-estar está cada vez mais alto, enquanto as vozes daqueles que vivem na pobreza são silenciadas».

 

A pressa, companheira diária da vida, impede-nos de parar, ajudar e cuidar dos outros.

 

Nós, cristãos, temos de voltar a ser a voz no deserto

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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