Uma teimosa tendência para julgar...
Na sociedade atual, a mansidão é muitas vezes considerada uma atitude de fraqueza, um defeito a ser corrigido o mais rapidamente possível para enfrentar os desafios da vida. “Tens que ser o melhor da tua equipa! Tens que ser o melhor da tua turma! Tens que ser o melhor do teu trabalho!”
Vemos isto nas diversas dimensões da sociedade humana: no trabalho e na escola, no desporto e no lazer, na família e entre amigos, entre vizinhos e até na rua. A violência verbal ou mesmo física parece ser a forma de relacionamento mais difusa.
Muitas vezes, parece-me que se sente um certo cansaço para enfrentar as dificuldades da vida e dos relacionamentos com paz no coração... Parece-me haver um certa disponibilidade para discutir. O respeito, a boa educação, a sinceridade, a fortaleza interior e a predisposição para não desistir enquanto se permanece fiel a si mesmo, parece cada vez mais escasso...
Temos uma teimosa tendência de julgar! E, nos últimos tempos, com a invenção das redes sociais, isso foi desproporcionalmente ampliado. Basta enfiar o nariz em qualquer site: Insultamos... Atacamos... Agredimos...
E, no entanto, o teólogo Walter Kasper diz-nos, na sua obra “Misericórdia - Conceito Fundamental Do Evangelho”, que a ênfase na misericórdia como componente fundamental da mensagem evangélica, constitui uma aquisição da consciência cristã do século XX...
Diz-nos o autor, nesta obra publicada pela editora Lucerna, que este conceito não é uma moda transitória, mas a consciência adquirida do papel protagonista que desempenha na revelação bíblica de Deus. Kasper indica o Papa João XXIII como um dos primeiros a sublinhar esta dimensão. Uma viragem verdadeiramente épica, que amadureceu ao longo de uma longa vida e que encontrou a sua expressão máxima no discurso de inauguração Gaudet Mater Ecclesia do Vaticano II. Naquele memorável 11 de Outubro de 1962, o Papa Roncalli disse que a Igreja sempre se opôs aos erros e que «muitas vezes os condenou com a maior severidade. Agora, porém, a noiva de Cristo prefere usar o remédio da misericórdia em vez da severidade.»
Esta novidade não deriva apenas da sua bondade, mas também de razões teológicas. Desde a juventude, o clérigo Roncalli começou a reduzir a pastoral do medo, baseada na terribilidade do Julgamento de Deus, em favor desta dimensão. Eis o que ele escreveu em dezembro de 1902: «Não acredito que o meu Jesus, que hoje me trata com tanta confiança e bondade, um dia terá que aparecer diante de mim com o rosto inflamado pela ira divina para me julgar. No entanto, é um artigo de fé, e eu acredito nisso». Alguns anos depois, em 1917 numa carta ao irmão Zaverio, escreveu: «Espero muito em Deus que é mais misericordioso do que justo».
Esta crença é construída e acompanhada pela particular predileção pelo versículo de Mateus em que Jesus afirma: «Aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração». (11,29). Inspirou de tal forma o seu comportamento e do qual nunca se arrependeu, que ficou conhecido pelo Papa Bom: «o ensinamento de Jesus no Evangelho é mansidão e humildade».
Que o bom Papa João XXIII nos inspire a sermos mansos e humildes de coração, a fim de usarmos mais a misericórdia do que a maledicência.