O olhar de Maria
O Senhor dos Passos; a Via Sacra... Nestes dias, as nossas vilas e cidades vão celebrar as suas tradições da quaresma. Será que ainda fazem sentido? Será que a fé habita estes rituais ou é apenas turismo religioso?
Nas duas celebrações, marca-me profundamente o Encontro com a Sua Mãe, Maria. Obriga-me a meditar, a entrar em mim mesmo e nas minhas relações afetivas: a minha mãe, as minhas irmãs que são mães e tantas outras mulheres, mães biológicas ou mães espirituais...
Maria vê o filho ser levado à morte! Ela vê o seu filho insultado e rejeitado! Ela vê o seu filho espancado, ferido, arruinado! Ela vê o seu filho arrastado para o abismo pela força incompreensível do mal, pelo absurdo do mal, pela maldade, pela crueldade. A devoção popular que deu forma à Via Sacra não podia deixar de imaginar o encontro entre Jesus e Maria no caminho da cruz.
Maria vê o seu filho e uma espada trespassa sua alma. Já o velho Simeão o profetizara. (Lc 2, 35-35)
No sofrimento de Maria reveem-se todas as mães que veem os seus filhos massacrados pela vida, crianças doentes, crianças maltratadas, abusadas, crianças ostracizadas, crianças que sofrem e não sabemos o porquê, nem por quem... As mães que veem os seus filhos perderem-se na solidão, na toxicodependência, adoecerem de infelicidade e depressão, os filhos e filhas adolescentes com quem já não conseguem falar, para quem já não se encontram palavras. E as mães que veem os seus filhos revoltados com a vida, com a mãe, com o pai, com a família... As mães que se sentem culpadas pelas suas escolhas, pelos seus erros, muitos irreparáveis. E as mães que veem os filhos dos outros e ficam dilaceradas pela memória dos filhos, porque os perderam antes de nascerem, ou ainda novos...
O olhar de cada uma destas mães encontra-se unido no olhar de Maria.
Naquele pesadelo de uma multidão aos gritos e de uma execução de morte iminente, Maria atravessa a multidão e aproxima-se de Jesus. Algumas palavras. Um olhar. Não há espaço nem tempo para fazer mais, mas basta.
Quando uma pessoa é condenada pela sociedade, isolada, ridicularizada e onde todos mudam de lado e seguem o triunfante do momento... Onde nós, quase sempre, afastamo-nos... Maria não. Ela está ali, diante daquela multidão concordante com a autoridade, e aproxima-se do Filho, desafiando todas as normas, permanecendo sempre solidária com ele. Temos tanto a aprender com Maria.
Tal como aquelas mães que vão ao encontro dos seus filhos nas mãos da justiça, que passaram de prisão em prisão, jovens destruídos pelas drogas, doentes do corpo e do espírito, crianças e jovens que levantaram as mãos contra os próprios pais... E estas mães, que se sentem mortas por dentro, que derramam todas as lágrimas possíveis e imaginárias, mas no coração e com a oração acompanham a “via sacra” desses seus filhos, como Maria. E nessa longa tribulação sempre estiveram teimosamente perto deles. Tal como Maria.
Cada Mãe é transparência do amor, é domicílio de ternura, é fidelidade que não abandona.
O momento é significativo. É depois da primeira queda. Jesus cai esmagado por todo o peso da Cruz. E aqui vem a Mãe para atender às necessidades do seu Filho e apesar de saber que não consegue levantá-lo, ela está lá e Ele não está sozinho.
Também nós precisamos que uma Mãe esteja sempre connosco mesmo nos momentos mais difíceis. E Maria, tal como não abandonou o seu Filho na paixão e morte, também nunca nos abandonará. Não tenho dúvidas que sabe o que precisamos antes mesmo de lhe pedirmos.
«Quem encontrar Maria, encontrará a Vida (Jesus Cristo)», assim escreveu São Luís Maria de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção.