Prestar atenção
Revia o filme Ad Astra que conta a história de um astronauta militar notável pela forma como consegue manter-se calmo em situações de perigo e grande stress. Porém, quando é chamado para uma missão ultra-secreta relacionada com o seu pai que pensava ter morrido, percebe-se como o défice de atenção que viveu ao longo da sua vida em relação aos outros, sobretudo a sua esposa, devia-se a um défice de atenção do pai para com ele. Quando depois de várias peripécias é obrigado a um longo período de solidão, compreende o valor incomensurável de prestar atenção. O que afecta hoje esta nossa capacidade?
Num intrigante livro, o filósofo da informação italiano Luciano Floridi propõe estarmos diante de uma quarta revolução. A primeira revolução foi espacial e ocorreu quando olhando para as estrelas demo-nos conta de que a Terra não é o centro do universo. A segunda revolução foi temporal e deu-se quando Darwin ajudou-nos a compreender a evolução da vida na Terra. Floridi considera que a terceira revolução é mental e foi devida ao trabalho de Freud que desbloqueou a mente para a possibilidade do subconsciente. A quarta revolução propõe que seja a informacional e está neste momento a acontecer.
Nascemos como seres humanos, mas ao longo da nossa vida afectada pela tecnologia desenvolvida nos últimos anos, estamo-nos a tornar em organismos informacionais, ou inforgues. A ligação que temos cada vez mais numerosa e maior com outras pessoas, acontece em ambientes informacionais que chamamos de infosfera.
A partilha que fazemos da nossa vida não se dirige apenas a agentes informacionais naturais como nós, como inclui também os agentes informacionais digitais que interagem com os nossos dados. Basta dizer o nome da pessoa a quem queremos telefonar para que o nosso smartphoneestabeleça a ligação porque compreendeu o que queríamos e identificou correctamente a pessoa. Nós e o smartphone partilhamos o mesmo ambiente porque ambos somos agentes informacionais.
O agente informacional digital está programado para estar sempre atento às nossas necessidades, mas será que temos a mesma capacidade de prestar atenção às necessidades dos outros? Às necessidades do agente digital estamos atentos porque experimentamos o pânico se esse fica sem bateria, ou ficamos ansiosos quando toca ou vibra na expectativa de saber quem (ou “o quê”) deseja a nossa atenção fazendo-nos sentir importantes e desejados. Porém, o mundo natural à nossa volta que gostaríamos de celebrar nesta semana dedicada à Laudato Si’ precisa muito da nossa atenção, as pessoas mais necessidade precisam da nossa atenção e até os nossos estilos de vida precisam de revisão e atenção. Por que razão é cada vez mais difícil prestar atenção em ambientes que não sejam parte da infosfera?
Apesar de haver ainda canalizadores, carteiros, electricistas e outros trabalhos que não exigem estar muito tempo diante de um ecrã, a maior parte das pessoas são trabalhadores do conhecimento. Enquanto a produtividade de alguém que trabalha no café depende de memorizar os pedidos dos clientes e satisfazer esse pedido o mais rápido possível, quem trabalha diante de um ecrã mantém o mesmo estilo de medição da sua produtividade pela quantidade de coisas que consegue atender através do ecrã. Algo que exige prestar atenção a um nível intenso e o preço pago é o cansaço atencional.
Quando fazemos um simples passeio por um ambiente natural, a Teoria da Restauração da Atenção proposta pelo casal Kaplan diz que essa actividade ajuda-nos a recuperar a atenção. O núcleo central dessa intuição é o valor que tem o relacionamento com a natureza para nos ajudar a recuperar a capacidade de prestar atenção. Muitos poderão queixar-se que a vida e o trabalho vividos na infosfera não lhes permite esse luxo temporal. Porém, onde há uma razão, há tempo. E não encontro melhor razão do que a consciência de sermos humanos, não inforgues.
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