Uma proposta...
A peregrinação é uma necessidade fundamental do Espírito. A tradição espiritual deu-nos a imagem da peregrinação, do caminho, como metáfora da vida: é uma oportunidade preciosa para refletir sobre a própria existência, sobre os desejos e valores que nos habitam e nos movem, e também sobre a própria fé e relacionamento com Deus e com os outros.
Pensando numa peregrinação vejo-a como um tempo precioso de reflexão e oração, vivido com sobriedade e com o essencial porque carregamos apenas o necessário e indispensável. O caminho pode parecer cansativo, mas o cansaço é amigo e companheiro.
Nas últimas semanas, vi-me obrigado a viajar em transportes públicos. Esta circunstância e aquela que me obrigou a isso, um despiste onde destruí parte do carro, têm-me feito peregrinar.
Num instante em que respiras e podes deixar de o fazer, leva-te a esta caminhada da essencialidade. Ao mesmo tempo, o facto de seres conduzido por outros, permite-te contemplar a vida no seu dia a dia, e até mesmo noutras viagens - tive que me deslocar ao Porto e ao Algarve - com outros olhos.
A beleza das paisagens por onde passei, as cores, os aromas, as tradições das regiões e lugares - ruas, estações de metro, paragens de autocarro, são uma oportunidade para aprender a contemplar a criação à qual Deus dá sentido. O ritmo frenético que habitualmente vivemos não nos permite parar e olhar atentamente para o mundo.
Precisamos de recuperar um ritmo de vida mais humano, ainda capaz de nos surpreender e abrir ao agradecimento.
A Palavra de Deus é-nos dada como pão quotidiano para o caminho. Banalizamos tanto esta oferta divina. Tantas vezes é o cumprir com uma obrigação de consciência. Não. Este pão é o maná do deserto. É o alimento que precisamos para percorrer o caminho até à Terra Prometida.
Perdemos tanto tempo com saudades do Egipto e tudo o que ele nos dá e não olhamos para a Promessa a Abraão e a toda a sua descendência. Só um ritmo mais humano será capaz de nos orientar pelas veredas do Senhor.
Como li algures, a vida é o livro mais precioso que nos é dado, um livro que talvez tenhamos dificuldade em ler. Mas é nele que talvez possamos encontrar o que muitas vezes procuramos noutros lugares.
Numa peregrinação, temos esta possibilidade de voltar a nós mesmos e no silêncio contemplar as passagens mais significativas da nossa existência. Os dons e os meios, os limites e os pecados, os sonhos e os desejos para podermos renovar o nosso interior e olhar para o futuro com esperança e confiança, continuando a escrever o livro da nossa história de salvação.
«Parece uma eternidade, mas é uma viagem curta. Então aproveite a vida e seja gentil.» (José Manuel Bernardo)