Sem Pressa

Crónicas 26 setembro 2024  •  Tempo de Leitura: 4

No passado dia 22 de Setembro precisava de anunciar no final da missa uma iniciativa relacionada com a Economia de Francisco intitulada “Passos pela Paz”, mas como estávamos no Dia Mundial Sem Carros, fazia todo o sentido fazer referência também a essa iniciativa. Porém, notei que muitas pessoas tinham ido à missa de carro e pensei que poderiam não ter outro remédio senão levá-lo. Como viver o Dia Mundial Sem Carros quando não temos outra solução para atender às vicissitudes da vida senão usá-lo?

A ideia principal do Dia Mundial Sem Carros é chamar a atenção da humanidade para a necessidade de repensar os nossos estilos de vida. Por outro lado, com a experiência de alguns anos, compreendemos hoje, melhor que ontem, como se tratam de alterações culturais profundas que não se fazem da noite para o dia. No caso dos carros, segundo uma tese de Doutoramento que este ano avaliei, se quiséssemos alterar de um momento para o outro toda a frota humana de carros para uma versão elétrica não haveria material suficiente para as baterias que seriam necessárias. Contamos sempre que a engenharia automóvel resolva os nossos problemas de modo a mantermos os nossos comportamentos, mas o que o mundo precisa para enfrentar a crise ecológica, que continuamos a viver há décadas, é mais uma engenharia nos estilos de vida.

Há duas semanas partilhei a experiência de uma condução pacífica. Isto é, conduzir nos limites de velocidade. Mantenho ainda esta experiência e devo confessar que se torna cada vez mais fácil cumprir os limites. Por outro lado, aos meus colegas partilho que sou uma das pessoas mais “speedadas” (velozes) que andam na estrada, precisamente por andar sempre nos limites. Pois, apesar do limite ser 50 km/h, eu poderia andar a 40 km/h, mas opto antes por andar sempre no limite. Mesmo assim, pareço um jovem que acabou de tirar a carta de condução ao ver tantos a ultrapassarem-me. Foi essa experiência que me deu a resposta à questão que coloquei no início: posso viver o Dia Mundial Sem Carros quando não tenho outra solução para atender às vicissitudes da vida senão usá-lo, conduzindo sem pressa.

No Dia Mundial Sem Carros talvez pudéssemos, também, viver: o Dia Mundial Sem Pressa. Nas aulas de filosofia, a minha filha mais nova concluiu por si mesma algo que também já havia concluído na sua idade, que o segredo da vida é viver. Creio que vive mais e melhor quem vive sem pressa do que quem quer viver tudo a correr.

A pressa parece ser a marca daqueles que se consideram muito produtivos, ou que andam sistematicamente no limite de modo a cumprir as responsabilidades que assumiram. E se o ditado diz que a pressa é inimiga da perfeição, a razão está no valor que viver sem pressa tem, de modo a que mais pequena coisa da vida encontre espaço para o tempo que precisa até revelar o seu sabor.

Cada um de nós levou meses até nascer porque a vida desabrocha num clima sem pressa. A fruta mais saborosa e doce é aquela em que respeitamos o seu tempo de amadurecer, sem pressa. Quando escutamos alguém profundamente, fazemo-lo sem pressa para compreender bem o que diz, não o que penso que devia dizer. Quem vive sem pressa demora mais uns segundos a chegar ao destino, mas o que custam mais alguns segundos na vida se garantem que continuaremos a viver? Uma vida sem pressaé serena, ponderada, nítida e transmite a paz que o mundo tanto precisa, a começar por aquele que nos rodeia.


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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